(1.º
de Novembro de 2024)
Ó
suma vilania! Sem pontas soltas, trocar as voltas à garantia…
“Expirada
a garantia de um veículo usado, adquirido em Fevereiro de 2022, sobreveio um
problema na caixa de velocidades. Mandei-o à marca para reparação. Cinco meses
depois, vi-me a braços com a mesma pane. Nova reparação, nova factura, esta de
478€ + IVA.
Disseram-me
que por cada uma das reparações há uma garantia de seis meses. Se assim for,
fui levado porque a avaria ainda estava na garantia.
Pergunto:
há mesmo uma garantia de seis meses nestes casos?”
Ante
a factualidade revelada, cumpre emitir opinião:
1.
Há
patente equívoco quando se alude a uma garantia por reparação de seis meses
fora do normal procedimento da compra e venda de consumo.
2.
Na compra e venda de consumo, ao accionar-se a
garantia, “em caso de reparação, o bem reparado beneficia de um prazo … adicional
de seis meses por cada [uma das] reparaç[ões] até ao limite de quatro …,
devendo o profissional, aquando da entrega do bem reparado, transmitir ao
consumidor essa informação.” [DL 84/2021: n.º 4 do artigo 18].
3.
Os
seis meses adicionais de garantia só se observam nas hipóteses de compra e
venda em que ocorra reposição de conformidade mediante reparação do bem - novo,
recondicionado ou usado.
4.
Não
há, por conseguinte, qualquer garantia de seis meses por eventual reparação
autónoma fora do quadro da garantia legal.
5.
O
que há é uma garantia de três anos nas prestações de serviço, já que o regime
da compra e venda de consumo se aplica também:
“a) …aos contratos celebrados para
o fornecimento de bens a fabricar ou a produzir;
b) Aos bens fornecidos no âmbito de
um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à
locação de bens, com as necessárias adaptações” [DL 84/2021: als. a) e b) do
n.º 1 do art.º 3.º].
6. Ora,
tratando-se de uma prestação de serviços, a garantia legal da compra e venda é aplicável
a qualquer reparação (contanto se trate do ponto específico objecto de
intervenção): “O profissional é responsável por qualquer [não]
conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem” [DL 84/2021: al. a) do n.º 1 do
art.º 12].
7. A reparação inicial está coberta
pela garantia, razão por que intervenção subsequente não é susceptível de pagamento:
a reparação é-o «a
título gratuito», livre dos custos necessários incorridos para repor os bens em
conformidade, nomeadamente o custo de … transporte, mão-de-obra ou materiais”
[DL 84/2021: al. a) do art.º 2.º].
8. Nem sequer o preço pode ser
expresso, nas relações jurídicas de consumo, em (478 € + IVA), já que preço “é o
preço total em que se incluem todos os impostos, taxas e encargos que [nele se
repercutam]”, constituindo contra-ordenação grave uma tal formulação [DL138/90:
n.º 6 do art.º 1.º; n.º 1 do art.º 11; DL 9/2021: al. b) do art.º 18].
9. Constitui crime de especulação o
exigir-se preço indevido pela reparação:
o crime de especulação é passível de pena de prisão de seis meses a três anos e
multa não inferior a 100 dias [DL 28/84: art.º 35].
10. Daí que deva exigir da oficina
da marca, para além do cumprimento da garantia legal, a devolução do montante indevidamente pago,
denunciando à ASAE, órgão de polícia criminal, tais factos para a instrução dos
autos.
EM CONCLUSÃO
a.
As
prestações de serviço - no âmbito das relações jurídicas de consumo – seguem o
regime da compra e venda [DL 84/2021: al. b) do art.º 3.º].
b.
As
prestações de serviço de consumo gozam, por conseguinte, da garantia legal de 3 anos [DL 84/2021: al.
a) do n.º 1 do art.º 12].
c.
A
subsequente reparação está abrangida
pela garantia legal, que é gratuita, não sendo devido, pois, qualquer preço [DL
84/2021: al. a) do art.º 2.º]
d.
A
cobrança de eventual valor configura crime de especulação cuja moldura é a de
prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias [DL 28/84: art.º 35]
e.
Ainda
que fosse devido um preço, a indicação de valor a que acresça o IVA padece de
um ilícito de mera ordenação social grave,
passível de coima, de acordo com o Regime das Contra-Ordenações em Matéria
Económica [DL 138/90: n.º 6 do art.º 1.º, n.º 1 do art.º 11; DL 9/2021: al. b)
do art.º 18].
Tal
é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário
Frota
presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal