(que
deveria ter vindo a lume hoje, sexta-feira, 10 de Maio de 2024, mas
naturalmente por razões de falta de espaço não veio)
Um torpe ‘chamariz’, não se benzem… mas
partem o ‘nariz’!
De uma consumidora de Santa Iria da Azóia:
“Comprei uma televisão
recentemente numa loja aqui no bairro. Pedi que a entregassem, e que o fariam
de forma gratuita. No entanto, foi cobrada a entrega na mesma factura onde
consta a compra da TV.
Na loja havia uma placa
grande com os dizeres “entregas grátis”… O que é certo é que paguei a mais
cerca de 40 euros. Já reclamei. E, em resposta, disseram-me simplesmente que é
política da casa.”
Ante a factualidade,
cumpre dizer o que se nos oferece:
1. Das
condições gerais consta, ao que se diz, a menção: “Entregas Grátis”; tal
cláusula, transposta para os contratos singulares, ainda que meramente
consensuais, como é o caso, vincula, obriga ambos os contraentes, empresa e consumidor
[DL 446/85: 2.º].
2. Há
patente contradição quando os responsáveis pela empresa se justificam, ante a
reclamação que se presume haver sido deduzida verbalmente, dizendo: “é política
da casa cobrar um dado montante pela entrega”, quando a anunciam expressamente
como gratuita. Tratar-se-á, ao que parece, de um chamariz para, depois, se
aplicar um encargo suplementar pelo transporte, agravando-se o preço.
3. Na
circunstância, estar-se-á perante uma prática desleal, no viés agressivo, ao atrair-se o consumidor através
da concessão de uma “vantagem” – o transporte gratuito – que, afinal, o não é,
ainda que no caso haja também traços de prática enganosa (o preço anunciado é
inferior ao efectivamente praticado), o que para o caso é irrelevante [DL
57/2008: alínea h) do art.º 12]
4. O
ilícito que o facto consubstancia é passível de coima [contra-ordenação
económica grave, cuja moldura depende da dimensão da empresa]: tratando-se de
uma micro-empresa
(menos de 10 trabalhadores), como parece ser o caso, a coima oscila entre os
1.700 € a 3.000 € [DL 57/2008: n.º 1 do art.º 21; DL 09/2021: art.º 1.º, iiii) do
art.º 2.º, art.º 88 e Anexo: ii) da al. b)
do art.º 18 e art.º 19].
5. Mas
o facto configura também crime de especulação quando ao preço do produto se faz
acrescer um montante (de cerca de 40 €), a título de transporte, que nem estava
nas previsões nem nele se achava incluído (preço é preço total em que se
incluem todos os impostos, taxas e outros encargos que nele se repercutam):
donde, prisão de seis meses a três anos e multa não inferior a 100 dias [DL
138/90: n.º 5 do artigo 1.º; DL 28/84: art.º 35].
6. Deve
consignar a sua denúncia no Livro de Reclamações, na própria empresa, ou em
formato electrónico, se estiver ao seu alcance, e remeter, após se precaver com
uma cópia, o exemplar que lhe for entregue à ASAE – Autoridade de Segurança
Alimentar e Económica – para os devidos efeitos [DL 156/2005: n.ºs 1, 2 e 4.º
do art.º 4.º; n.º 1 do art.º 5.º - B].
EM
CONCLUSÃO
a.
Preço
é o preço total, como amiúde se proclama, em que se incluem todos os impostos,
taxas e os encargos que neles se repercutem [DL 138/90: n.º 5 do art.º 1.º]
b.
Se
a entrega for onerosa, tem de estar incluída no preço: e se se pretender
diferenciar as modalidades (com ou sem entrega), então terá de se indicar, em
termos globais, um preço e outro, em homenagem à transparência [Lei 24/96: n.º
1 do art.º 9.º].
c.
Se
se exibe um letreiro com a indicação “Entrega Grátis”, sem eventuais
restrições, e se procede à cobrança de um dado montante pela remessa do bem
para o domicilio do consumidor, tal acto configurará uma prática comercial
desleal (agressiva) [cfr. ponto 3].
d.
À
prática agressiva corresponde uma contra-ordenação económica grave: e, em se
tratando de uma micro-empresa (menos de 10 trabalhadores), com uma sanção que
oscila entre os € 1 700 e os € 3 000 [cfr. ponto 4].
e.
Ademais,
uma tal prática também constitui crime de especulação passível de prisão de 6
meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias [cfr. ponto 5].
f.
A
reclamação deve ser lavrada no Livro respectivo, podendo enviar o duplicado, em
seu poder, se usado for o do suporte físico, para a entidade reguladora [cfr., ponto 6].
Este
é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário
Frota
presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal