‘INFORMAR
PARA PREVENIR’
‘PREVENIR PARA NÃO REMEDIAR’
23 de Abril de 2023
I
TRÊS CÓDIGOS E NADA MAIS…
VL
O professor entende que para evitar a dispersão por centenas se não por milhares de diplomas legais, deveria o legislador definir como objectivo a publicação de três Códigos: um Código de Contratos de Consumo, um Código Penal do Consumo e um Código de Processo Colectivo.
Quer explicar a necessidade destes três conjuntos de regras em matéria de cada um dos tópicos versados?
MF
Parece simples a justificação.
A União Europeia farta-se de bater com a mão no peito: há leis em excesso. Há leis em demasia. É precisa legislar menos, mas é preciso legislar melhor!
E, no entanto, parece que é o efeito contrário que nos surge no dia-a-dia.
Cada vez se legisla mais. Cada vez se legisla pior!
Veja-se só um artigo da Lei das Comunicações Electrónicas sobre os requisitos de informação dos contratos e ajuíze-se a dificuldade de o consumidor se mover no seio disto:
Artigo 120.º
Requisitos de informação sobre os contratos
1 - As empresas que oferecem serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, com excepção dos serviços de transmissão utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina, devem, previamente à celebração de um contrato, disponibilizar ao consumidor as informações referidas no artigo 4.º do Decreto-Lei 24/2014, de 14 de Fevereiro, e no artigo 8.º da Lei 24/96, de 31 de Julho, consoante estejam, ou não, em causa contratos celebrados à distância ou fora do estabelecimento comercial.
2 - As empresas que oferecem serviços de
comunicações eletrónicas acessíveis ao público, com excepção dos serviços de
transmissão utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina,
disponibilizam ainda ao consumidor, no mesmo momento, de forma clara e
compreensível, num suporte duradouro ou, quando um suporte duradouro não for
exequível, num documento facilmente descarregável disponibilizado pela empresa,
as informações constantes do anexo III à presente lei, da qual faz parte
integrante, na medida em que se apliquem aos serviços que oferecem.
3 - O disposto nos números anteriores não deve
conduzir a uma duplicação das informações nos documentos pré-contratuais ou
contratuais, considerando-se que as informações relevantes disponibilizadas em
cumprimento da presente lei, designadamente os requisitos de informação mais
prescritivos e pormenorizados, satisfazem os requisitos correspondentes
previstos nos diplomas a que se refere o n.º 1.
4 - A empresa chama expressamente a atenção do
consumidor para a disponibilidade do documento descarregável a que se refere o
n.º 2 e a importância de o descarregar para efeitos de documentação, referência
futura e reprodução inalterada.
5 - Quando tal for solicitado, as informações
são disponibilizadas num formato acessível aos utilizadores finais com
deficiência, nos termos do direito da União Europeia que harmoniza os
requisitos de acessibilidade dos produtos e serviços.
6 - As empresas que oferecem serviços de
comunicações electrónicas acessíveis ao público, com excepção dos serviços de
transmissão utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina, fornecem
aos consumidores, num suporte duradouro, um resumo do contrato, conciso e
facilmente legível, que identifica os principais elementos dos requisitos de
informação definidos nos termos dos n.ºs 1 e 2, incluindo, no mínimo:
a) O nome, endereço e os dados de contacto da
empresa e, se diferentes, os dados de contacto para eventuais reclamações;
b) As principais características de cada serviço
prestado;
c) Os preços de activação, incluindo o da
instalação do serviço de comunicações electrónicas e de quaisquer encargos
recorrentes ou associados ao consumo, se o serviço for prestado contra uma
prestação pecuniária directa;
d) A duração do contrato e as suas condições de
renovação e de cessação;
e) A medida em que os produtos e serviços são
concebidos para os utilizadores finais com deficiência;
f) No que respeita aos serviços de acesso à
Internet, um resumo das informações obrigatórias nos termos das alíneas d) e e)
do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) 2015/2120 do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 25 de Novembro de 2015.
7 - Para efeitos do cumprimento do disposto no
número anterior, as empresas devem utilizar o modelo de resumo do contrato
aprovado pelo Regulamento de Execução (UE) 2019/2243 da Comissão, de 17 de Dezembro
de 2019.
8 - As empresas que oferecem serviços sujeitos
às obrigações previstas nos n.ºs 1 a 5 devem preencher devidamente o modelo de
resumo do contrato a que se refere o número anterior com as informações
necessárias e facultá-lo gratuitamente aos consumidores antes da celebração do
contrato, incluindo quando se trate de contrato celebrado à distância.
9 - Se, por razões técnicas objectivas, for
impossível facultar o resumo do contrato nesse momento, este deve ser facultado
posteriormente, sem demora injustificada, entrando o contrato em vigor, em
qualquer caso, quando o consumidor tiver confirmado o seu acordo, após a recepção
do resumo.
10 - As informações a que se referem os n.ºs 1,
2 e 6 tornam-se parte integrante do contrato e não podem ser alteradas sem o
acordo expresso das partes.
11 - As informações a que se referem os n.ºs 1,
2 e 6 são igualmente transmitidas aos utilizadores finais que forem
microempresas, pequenas empresas ou organizações sem fins lucrativos, salvo se
essas empresas ou organizações renunciarem expressamente à totalidade ou a
parte dessas disposições.
12 - É interdito às empresas que oferecem redes
e ou serviços de comunicações electrónicas opor-se à denúncia dos contratos por
iniciativa dos assinantes, com fundamento na existência de um período de
fidelização, ou exigirem quaisquer encargos por incumprimento de um período de
fidelização, se não possuírem prova da manifestação de vontade do consumidor a
que se refere o n.º 9.”
Este é só um exemplo da má feitura das leis.
Imaginem o mais…
II
CONULTÓRIO DO CONSUMIDOR
I
ISTO ANDA TUDO À DERIVA: PREÇO É O PREÇO TOTAL…
VL
“Recorri a uma firma de Coimbra para verificação da instalação eléctrica, dadas as facturas de energia clamorosamente exorbitantes que me são apresentadas a pagamento pela EDP – Comercial.
Pedi previamente preços e ouvi: “1.ª hora – 80 €, segunda e restantes – 30 €…” E não ouvi mais nada.
Mandou cá um homem que, em 15 minutos, se tanto, fez a ‘inspecção’ e, no momento do pagamento, me exigiu 98,40€ porque ao preço (os 80 € anunciados) acrescia o IVA a 23%.
Sempre ouvi dizer que para o consumidor preço é sempre o preço final, não decomposto.
Questionei o fornecedor, que foi basto incorrecto e até disse que as pessoas o que têm é a preguiça mental de fazer contas ao IVA… e que a empresa, há 15 anos, debita sempre mesma “cassete”: preço + IVA.
A factura chegou três dias depois, de uma firma de Vila Franca de Xira: Weblince 7, Unipessoal, Limitada, com o IVA incluído e o registo dos 98,40 € exigidos.
Qual é, afinal, o meu direito?”
MF
Apreciada a factualidade, cumpre emitir opinião:
Isto anda tudo à deriva:
Preço é o Preço Total
Em que já se inclui o IVA…
Que o mais é ilegal!
1. De harmonia com o que prescreve a Lei dos Preços:
“O preço de venda e o preço por unidade de medida, seja qual for o suporte utilizado para os indicar, referem-se ao preço total expresso em moeda com curso legal em Portugal, devendo incluir todos os impostos, taxas e outros encargos que nele sejam repercutidos, de modo que o consumidor possa conhecer antecipadamente o montante exacto que tem a pagar.” (DL 138/90: n.º 5 do art.º 1.º)
2. No que tange aos serviços, estabelece com clareza:
1 - Os preços de toda a prestação de serviços, seja qual for a sua natureza, devem constar de listas ou cartazes afixados, de forma visível, no lugar onde os serviços são propostos ou prestados ao consumidor, sendo aplicável o n.º 5 do artigo 1.º
2 - …
3 - Nos serviços prestados à hora, à percentagem, à tarefa ou segundo qualquer outro critério, os preços devem ser sempre indicados com referência ao critério utilizado; havendo taxas de deslocação ou outras previamente estabelecidas, devem as mesmas ser indicadas especificamente.
4 - … (DL 1368/90: art.º 10.º).
3. Em razão de uma portaria ajustável ao sector, aí se prescreve imperativamente:
“1.º Ficam sujeitos à obrigatoriedade da indicação dos preços … os serviços prestados nos estabelecimentos de electricistas e de reparação de aparelhos eléctricos…
2.º Para além do preço dos serviços prestados… deverá ser ainda indicada a taxa de deslocação e o preço da mão-de-obra, segundo o critério horário.” (Portaria 816/93, de 07 de Setembro).
4. Constitui contra-ordenação económica grave o não cumprimento destes mandamentos, com a seguinte grelha:
4.1. Microempresa - de 1 700,00 a 3 000,00 €;
4.2. Pequena empresa - de 4 000,00 a 8 000,00 €;
4.3. Média empresa – de 8 000,00 a 16 000,00 €;
4.4. Grande empresa – de 12 000,00 a 24 000,00 €
(DL 138/90: al. b) do n.º 1 do art.º 11; DL 09/2021: al. u) do n.º 2 do art.º 1.º e art.º 22)
5. No limite, a cobrança de montante superior ao indicado em razão do acréscimo do IVA (de cerca de 100 € em lugar dos 80 €) constitui crime de especulação passível de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84: art.º 35).
EM CONCLUSÃO
a. “Preço é o preço global em que se incluem todos os impostos, taxas e outros encargos que nele se repercutam” (DL 138/90: n.º 1 do art.º 5.º).
b. O preceito é aplicável às prestações de serviços, com incidência nos de electricidade (DL 138/90: art.º 10; Port.ª 816/93: §§ 1.º e 2.º).
c. A violação dos preceitos enunciados conduz a coimas, cujo valor varia em função da dimensão da empresa (contra-ordenação económica grave) (DL 138/90: al. b) do n.º 1 do art.º 11, alterado pelo DL 9/2021: al. u) do n.º 2 do art.º 1.º e art.º 22). *
d. Se o infractor for uma pequena empresa (de 10 a 49 trabalhadores), como parece ser o caso, a coima será de 4.000.00 a 8.000,00 €.
e. No limite, haverá crime de especulação cuja moldura é a de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84: art.º 35).
II
ORÇAMENTO, APONTAMENTO PARA INDISCRIMINADO AUMENTO?
VL
“De uma consumidora da região Centro do País a consulta que segue:
Precisei que me ajustassem as portas de uns armários na cozinha, pedi orçamento. E o dono de uma chafarica de Coimbra disse: “isso é entre 150 e 200 €.
Dois homens estiveram, se tanto, 2 horas a fazer o trabalho que não precisou de quaisquer peças ou acessórios. Foi cortar, ajustar e aparafusar.
No fim, apresentou-me a conta de 300 €, a que acresceria o IVA…
Perguntei-lhe pelo orçamento, que foi de boca. Resposta pronta: ah! Isso foi só uma estimativa!
Que direitos tenho?”
MF
1. Trata-se de uma relação jurídica de consumo (de um lado, um prestador de serviços e, do outro, o consumidor final).
2. O Regime Jurídico de Acesso e Exercício das Actividades de Comércio, de Serviços e de Restauração (que o DL 10/2015, de 16 de Janeiro, disciplina) estabelece, no seu artigo 39, o que segue:
2.1. Se o preço não for pré-determinado nem for possível indicá-lo com precisão, o prestador de serviços - em função da concreta prestação a que se obriga - , fornecerá, a instâncias do cliente, um orçamento detalhado de que conste:
§ Nome, morada do estabelecimento, número de telefone e endereço electrónico;
§ Identificação fiscal e número de registo que consta na Conservatória do Registo Comercial do prestador de serviços;
§ Nome, domicílio e identificação fiscal do consumidor;
§ Descrição sumária dos serviços a prestar;
§ Preço dos serviços a prestar, o que deve incluir:
§ Valor da mão-de-obra a utilizar;
§ Valor dos materiais e equipamentos a utilizar, incorporar ou a substituir;
§ Datas de início e fim da prestação do serviço;
§ Forma e condições de pagamento;
§ Validade do orçamento.
2.2. O orçamento, pela sua natureza e conteúdo, deve ser prestado em suporte duradouro (em papel ou em qualquer outro suporte, como tal considerado).
3. O orçamento pode ser gratuito ou oneroso.
4. Se oneroso, o preço não pode exceder os custos efectivos da elaboração.
5. O preço pela elaboração do orçamento descontar-se-á do preço do serviço sempre que tal vier a ser prestado.
6. O orçamento vincula o prestador de serviços nos seus precisos termos, tanto antes como após a aceitação expressa pelo destinatário.
7. A violação de quanto a tal propósito se dispõe é passível de coima:
Contra-ordenação grave, em se tratando de micro-empresa (at´r 10 trabalhadores): de 1 700,00 a 3 000,00€;
8. A indicação do preço, ainda que regularmente efectuada, tem de obedecer à Lei dos Preços de 26 de Abril de 1990: preço é o preço global em que se incluem todos os impostos, taxas e encargos (DL 138/90, de 26 de Abril: art.º 10.º).
8.1. Ao preço não pode, pois, acrescer autonomamente o IVA.
8.2. Nem se pode oferecer um orçamento, ainda que pelo meio impróprio, meramente verbal e, depois, cobrar-se o preço da pretensa elaboração por forma a fazer avolumar o quantitativo exigido à vítima.
9. O operador económico comete, na circunstância, um crime de especulação (DL 28/84: artigo 35) cuja moldura é de pena de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias.
10. O consumidor deve denunciar o facto à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (que é também órgão de polícia criminal).
III
COMO UMA CARRAÇA ‘ALAPADA’ NA CARCAÇA
VL
“Fui abordada por uma empesa de cartões de crédito para fazer um contrato. Não aceitei. Deixei, porém, o meu contacto para poder analisar de futuro a situação. Contudo, passaram a ligar-me insistentemente de número anónimo, mesmo depois de lhes ter dito que não estava interessada.
Ripostaram que “como lhes dei o meu contacto, dei o consentimento para ligarem sempre com promoções”.
É mesmo assim?”
MF
Apreciada a factualidade, cumpre então responder:
1. A Lei dos Serviços Financeiros à Distância (DL 95/2006), aplicável à concreta hipótese de facto, dispõe de norma própria, sob a epígrafe “comunicações não solicitadas”, que reza o que segue:
Art.º 8.º
“1 - O envio de mensagens relativas à prestação de serviços financeiros à distância cuja recepção seja independente da intervenção do destinatário, nomeadamente por via de sistemas automatizados de chamada, por telecópia ou por correio electrónico, carece do consentimento prévio do consumidor.
2 - O envio de mensagens mediante a utilização de outros meios de comunicação à distância que permitam uma comunicação individual apenas pode ter lugar quando não haja oposição do consumidor manifestada nos termos previstos em legislação ou regulamentação especiais.
3 - As comunicações a que se referem os números anteriores, bem como a emissão ou recusa de consentimento prévio, não podem gerar quaisquer custos para o consumidor.”
2. A sanção para uma tal contra-ordenação vai de € 2500 a € 1 500 000 (pessoa colectiva): a denúncia neste particular deve ser formulada perante o Banco de Portugal (DL 95/2006: al. b) do art.º 35 e art.º 37).
3. Se retomarmos, porém, os termos de um parecer de 2022 da Comissão Nacional de Protecção de Dados, no que se prende com o SPAM, em geral, teremos:
“1. O envio de comunicações para marketing directo pode fazer-se nas seguintes condições:
a. Se já existe uma relação de clientela e:
(i) Se o marketing respeita a produtos ou serviços análogos aos adquiridos anteriormente pelo cliente, não é necessário o seu consentimento; mas tem de ser garantido o direito de oposição, no momento da recolha dos dados e em cada uma das mensagens enviadas;
(ii) Se o marketing respeita a produtos ou serviços diferentes dos adquiridos anteriormente pelo cliente, apenas com o consentimento prévio e expresso do cliente.
b. Se não existe uma relação jurídica prévia entre o responsável e o destinatário, apenas com o consentimento prévio e expresso do titular dos dados.
02. O responsável deve ainda manter uma lista actualizada de pessoas que manifestaram expressamente e de forma gratuita o consentimento para a recepção deste tipo de comunicações, bem como dos clientes que não se opuseram à sua recepção.
03. O ónus da prova de que foi prestado consentimento e em que condições, bem como de que foi garantido o direito de oposição, recai sobre o responsável pelo tratamento dos dados.
04. O consentimento do titular tem sempre de ser informado, específico, livre, inequívoco e expresso, o que significa que o titular tem de consentir que uma determinada entidade, devidamente identificada, lhe envie comunicações de marketing directo dos seus produtos e serviços.” …
4. Não existe, com efeito, uma relação jurídica, mas uma mera relação de facto. E ainda que houvesse uma relação jurídica anterior, perante a oposição da consumidora teriam de cessar de imediato os contactos, sob pena de responderem pela ousadia de neles persistirem.
5. A violação de tais termos, em geral, constitui contra-ordenação passível de coima de 5 000 a 5 000 000 €, de harmonia com o que prescreve o artigo 14 da Lei 41/2004, de 18 de Agosto.
6. A denúncia para situações do jaez destas, em geral, deve ser efectuada à CNPD - Comissão Nacional de Protecção de Dados, a que caberá a instrução dos autos e a inflicção das coimas que à violação quadrarem.
7. No entanto, para situações análogas, com o as que vimos de descrever, soluções quantitativamente diferentes (de 2.500 € a 1 500 000 € para as comunicações não solicitadas no âmbito dos serviços financeiros à distância e de 5 000 € a 5 000 000 € para situações similares em geral).
8. E ninguém olha para diferenças tão abissais… para tamanhas aberrações!