Diário
‘As Beiras’
(07
de Julho de 2023)
REPRESSÃO
À OBSOLESCÊNCIA
SEM
CONSAGRAÇÃO LEGAL EM PORTUGAL?
Eis,
pois, a OBSOLESCÊNCIA
De
efeitos devastadores
Via
para a excrescência
E
danos aos consumidores…
De
uma consulente (mestranda em Direito), de Goiás, Brasil:
“A
Europa muito fala da obsolescência precoce. Mas parece que - para além da
proposta de directiva, aliás, muito recente, acerca do ‘direito à reparação’ - não há, com excepção da França, que legislou
entretanto, e da Espanha, em determinadas comunidades autónomas, normas na
legislação portuguesa que proíbam um tal fenómeno e o punam, consequentemente, se
de modo comprovado isso se verificar.”
Ante a observação
precedente, as considerações que seguem:
1.
Obsolescência
programada “é a pré-determinação do ciclo de vida de um produto.
Como se, ao nascer, se inscrevesse já, na sua matriz, a concreta data do seu
decesso. Como se o produto, ao surgir no mercado, se fizesse acompanhar de uma
certidão de óbito com o “dies ad quem”
[termo final]”…
2.
Ao contrario do que possa supor-se,
Portugal, de forma aparentemente discreta, sem grande realce, pois, também
legislou nesse particular.
2.1.
A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor
viu juntar-se ao artigo 9.º (protecção dos interesses económicos do
consumidor), pelo DL 109-G/2021, o n.º 7, do teor seguinte:“É
vedado ao profissional a adopção de quaisquer técnicas através das quais o
mesmo visa reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a
fim de estimular ou aumentar a substituição de bens.”2.2.
Curiosamente, no momento em que nos
dispúnhamos a responder à consulente, o jornal oficial trazia a lume a Lei
28/2023, de 04 de Julho, que modifica exactamente a redacção do n.º 7 do artigo
9.º, nestes termos:
“É
vedada ao fornecedor de bens ou ao prestador de serviços a adopção de quaisquer
técnicas que visem reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de
consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens ou a renovação da
prestação de serviços que inclua um bem de consumo.”
3.
Aliás, conquanto se não deva
confundir assistência pós-venda com obsolescência, há interconexões que importa
sublinhar. A Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo de 18 de Outubro de 2021,
em seu artigo 21, reza o seguinte:
“1
— Sem prejuízo do cumprimento dos deveres inerentes à responsabilidade do fornecedor
ou do produtor pela [não] conformidade dos bens, o produtor é obrigado a
disponibilizar as peças necessárias à reparação dos bens [...], durante o prazo
de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do respectivo bem.
…
4
— No momento da celebração do contrato, o fornecedor deve informar o consumidor
da existência e duração da obrigação de disponibilização de peças aplicável…”
4.
Poder-se-ia pensar que a norma do n.º
7 do artigo 9.º fosse mais uma norma sem sanção. No entanto, afigura-se-nos que
a comercialização de bens obsoletos é susceptível de configurar um ilícito de
mera ordenação social (prática desleal no plano das acções enganosas) passível
de coima, variável consoante o talhe da empresa (se micro, pequena, média ou
grande), a título de contra-ordenação económica grave.
5.
Cabe ainda nessa moldura (contra-ordenação
económica grave) a ofensa ao que prescreve o artigo 21 da Lei da Compra e Venda
de Bens de Consumo (supra, 3): disponibilidade
de peças e acessórios para os bens fornecidos.
6.
O consumidor lesado em decorrência de
uma qualquer prática comercial desleal, será ressarcido nos termos gerais de
direito [DL 57/2008: n.º 3 do art.º 14].
EM
CONCLUSÃO
a.
A repressão à obsolescência
programada está expressamente prevista na Lei-Quadro de Defesa do Consumidor
[Lei 24/96: n.º 7 do artigo 9.º]
b.
Com um tal fenómeno se cruza o da
disponibilidade de peças sobressalentes e de acessórios que garantam a
longevidade dos bens [DL 84/21: art.º 21]
c.
A inobservância do que em tais prescrições se contém é susceptível de
constituir contra-ordenação económica grave passível de coima, consoante o
talhe das empresas, se micro, pequenas, médias e grandes [ Dl 57/2008: art.º
7.º e n.º 1 do art.º 21; DL 84/2021: al. f)
do n.º 1 do art.º 48]
d.
Para além das sanções neste passo
cominadas, subsiste o ressarcimento dos danos, a título de responsabilidade
civil, nos termos gerais [DL 57/2008: n.º 3 do art.º 14].
Tal é, salvo melhor
juízo, o nosso parecer
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -, Portugal