E eu que tanto desespero
Contra esta indecência
Abomino
a PUB à ZERO
Lastimo
tanta indolência
“Numa estratégia de
aceitação dos reparos que de todos os quadrantes se vêm fazendo, a HeineKen, patrocinadora oficial dos
mais relevantes eventos futebolísticos internacionais, tende a esbater críticas
e seus efeitos deletérios apostando na Cerveja
0 (Zero). E, assim, entende naturalmente que escapa às invectivas, porque deixa de ferir o
quadro das ilegalidades que se lhe apontavam. Que os países tudo relevam quando
se trata de administrar o “ópio” ao povo através do desporto das multidões.
Aliás, quando das transmissões directas da Fórmula
Um paga pelas Tabaqueiras Internacionais, as leis de proibição da
publicidade ao tabaco suspendiam-se, numa hipocrisia sem precedentes.
Querem meter-nos agora os
dedos pelos olhos, dando de barato que a promoção, o patrocínio e a publicidade à
cerveja ZERO é lícita?”
HCF - Lisboa
Apreciada a questão, nos seus termos, cumpre responder:
1. Há,
com efeito, quem entenda que não operam
as restrições no que às bebidas alcoólicas e sua publicidade respeita. Por se
não tratar, em rigor, de “bebidas
alcoólicas”, já que delas se acha de todo ausente o álcool.
2. Aliás,
entre nós, o Júri de Ética da Auto-Regulação Comercial, em caso análogo, em relação
à Super Bock, fez verter criteriosa
decisão que vai ao âmago da questão, que penetra fundo no tema, ao proceder à
apreciação de factualidade que de certa feita se lhe suscitara.
3. O
Instituto de Auto-Regulação da Comunicação Comercial, através do aludido Júri, decidiu
categoricamente - e com inteiro aplauso -, em 2005, em caso análogo, nestes termos:
3.1.
« (…) é precisamente no domínio das marcas
comuns (ou parcialmente comuns), que a encontra um especial campo de actuação
para a denominada publicidade indirecta, sendo os objectos com restrições legais à publicidade (v.g.
tabaco, medicamentos e bebidas alcoólicas) aqueles que exercem a maior força
atractiva neste tipo de publicidade.
3.2.
Para aferir da existência de publicidade indirecta (ou publicidade
álibi/pretexto, como alguns mencionarão) deve atender-se à mensagem
veiculada, apreciada no seu todo, podendo, especialmente, considerar-se outros
critérios, como sejam: a eventual existência duma simultaneidade de campanhas
publicitárias de dois produtos com relação entre si, sendo um deles objecto de
restrições, quando a publicidade a um deles remete e recorda inequivocamente o
outro; o nível de presença que, na publicidade, tem o novo produto
comparativamente com o produto a que apela ou recorda, e cuja venda
indirectamente promove.»
3.3.
A cerveja sem álcool … explora e beneficia da reputação da cerveja
com álcool, produto que persiste presente nas mensagens pelo que, entende o
Júri, é indirectamente publicitada na divulgação da cerveja sem álcool, a SUPER
BOCK, cerveja com álcool.
3.4.
Entende, assim, o Júri de
Ética que, embora o objecto directo da mensagem publicitária seja a SUPER BOCK, cerveja sem álcool, considerando a marca escolhida pela denunciante
(SUPER BOCK), o conteúdo da mensagem publicitária, existe uma íntima ligação
entre aquele objecto directo da mensagem e uma outra marca do anunciante e
objecto publicitário que, indirectamente, beneficia da publicidade: a SUPER
BOCK, cerveja com álcool.
3.5.
Em síntese, o Júri avalia estar perante um
caso de publicidade indirecta à cerveja com álcool da mesma marca SUPER
BOCK e como tal é plenamente aplicável a proibição constante do nº 2 do art.º
17º do Código da Publicidade sendo, para esse efeito e no contexto da
publicidade indirecta, indiferente que o consumidor médio percepcione que o
produto directamente anunciado seja o produto sem álcool: sempre associará o
produto àquele que é indirectamente anunciado e que tem as restrições horárias
já referidas.”
4. Se
a publicidade, a um duplo título, indirecta (a da Heineken sem álcool que
passa a horas proibidas no pequeno ecrã, sendo que o patrocínio da
transmissão é pela marca assegurado de onde emerge a publicidade) se verificar,
incorre nas restrições do n.º 2 do artigo 17 do Código da Publicidade, a saber,
“é proibida a publicidade a bebidas alcoólicas, na
televisão e na rádio, entre as 7 horas e as 22 horas e 30 minutos.”
5. A
contra-ordenação daí emergente é
passível de coima e sanções acessórias: coimas de 2.494
€ a 24 939,89 €, se se tratar
de infractor pessoa colectiva; interdição de exercer actividade publicitaria,
entre outros, até dois anos, como sanção acessória (sanções suaves, não abrangidas pelas
alterações ao regime das contra-ordenações em matéria económica, a estimular de
todo o ilícito).
Mário Frota
Presidente emérito
da
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal