Ensinava o saudoso Prof. Mota Pinto, na Teoria Geral do
Direito Civil, aos dados às primeiras letras do Direito, no 1.º ano da Faculdade,
em plenos Gerais, que o valor do silêncio se poderia perspectivar como segue:
·
Quem cala consente
·
Quem cala parece consentir
·
Quem cala não consente.
No ordenamento jurídico
do consumidor, porém, de modo expresso, “quem
cala não consente”!
Convém, no entanto, mostrar
o que dizem uniformemente as leis no que tange aos produtos e serviços não
solicitados ante os desvarios e as aberrantes interpretações que tendem a fazer
“escola” neste pobre e desvairado Portugal...
A famigerada Deco-Proteste, Limitada, antena
nacional de uma empresa multinacional belga, teve o desplante de dizer, a
propósito das entradas (‘couvert’ lhes chama a lei) algo de surreal perante uma
norma que refere exactamente o contrário:
Quem
cala, consente,
Quem
trinca consente mais…
E
não poderá reclamar
Se
detectar na conta
As
entradas que não pediu…
Vamos mostrar que o que
as sucessivas leis dizem, aliás, de modo
apropriado, é que quem cala não consente:
PRODUTOS
& SERVIÇOS NÃO SOLICITADOS EM GERAL
LEI-QUADRO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR
“O consumidor não fica
obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente
encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido,
não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem
a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.” (Lei 24/96:
n.º 4 do seu art.º 9.º)
FORNECIMENTO
DE BENS NÃO SOLICITADOS
(ALUSÃO
A SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS)
“1 - É proibida a
cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado
de bens, água, gás, electricidade, aquecimento urbano ou conteúdos digitais ou
a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…
2 - Para efeitos do
disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor na sequência
do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como consentimento.”
(DL n.º 24/2014: art.º 28).
PRÁTICAS
COMERCIAIS DESLEAIS
“São consideradas
agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais: …
f) Exigir o pagamento
imediato ou diferido de bens e serviços ou a devolução ou a guarda de bens
fornecidos pelo profissional que o consumidor não tenha solicitado, sem
prejuízo do disposto no regime dos contratos celebrados à distância acerca da
possibilidade de fornecer o bem ou o serviço de qualidade e preço
equivalentes.” (DL n.º 57/2008: al. f) do
art.º 12)
CARTÕES
DE CRÉDITO NÃO SOLICITADOS
Serviços
financeiros não solicitados
“1 - É proibida a
prestação de serviços financeiros à distância que incluam um pedido de
pagamento, imediato ou diferido, ao consumidor que os não tenha prévia e
expressamente solicitado.
2 - O consumidor a quem
sejam prestados serviços financeiros não solicitados não fica sujeito a
qualquer obrigação relativamente a esses serviços, nomeadamente de pagamento,
considerando-se os serviços prestados a título gratuito.
3 - O silêncio do
consumidor não vale como consentimento para efeitos do número anterior. …” (DL
n.º 95/2006: art.º 7.º)
REGIME
JURÍDICO DO EXERCÍCIO DE ACTIVIDADES DE COMÉRCIO, SERVIÇOS E RESTAURAÇÃO
“…
2 - … entende-se por couvert
o conjunto de alimentos ou aperitivos identificados na lista de produtos como
couvert, fornecidos a pedido do cliente, antes do início da refeição.
3 - Nenhum prato, produto
alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for
solicitado pelo cliente ou [se] por este for inutilizado.” (DL 10/2015: art.º
135)
Coimas para a violação de
cada um dos preceitos enunciados.
EM CONCLUSÃO:
Nos ordenamentos
jurídicos do consumidor, na Europa como alhures, “QUEM CALA NÃO CONSENTE”|
Só na delirante
imaginação de gente saída de uma qualquer “Universidade de Fezes de Baixo” [Feces de Abajo, em plena Galiza] é que
tão brilhantes interpretações lhes bailam estonteantemente nos lábios ou
afloram à pena…
Interpretações de
‘esgoto’… que fedem que tresanda!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal
P.S. Que falta faz um
Código! Tudo isto se arrumaria só num artigo…