Resolução do Parlamento Europeu
07 de Abril de 2022
I
POR UM EFECTIVO DIREITO À REPARAÇÃO
O Parlamento Europeu, ponderando um sem-número de circunstâncias e após uma mancheia de considerandos:
1. Realça que um direito efectivo à reparação deve abranger aspectos do ciclo de vida dos produtos e ser abordado a partir de diferentes domínios políticos interligados, designadamente a concepção dos produtos, os princípios éticos fundamentais da produção, a normalização, a informação dos consumidores, incluindo a rotulagem sobre a possibilidade de reparação, e sobre a vida útil dos produtos, sempre que possível e adequado, os direitos e garantias dos consumidores e os contratos públicos;
2. Frisa que a iniciativa relativa ao direito à reparação deve ser proporcionada, baseada em dados concretos e eficiente em termos de custos e deve equilibrar os princípios da sustentabilidade, da protecção dos consumidores e de uma economia social de mercado altamente competitiva, para que todas as partes interessadas possam beneficiar das oportunidades inerentes à transição ecológica;
3. Destaca que um direito efectivo à reparação deve criar vantagens competitivas significativas para as empresas europeias, abstendo-se de lhes impor qualquer forma de encargos financeiros desproporcionados, e deve inspirar a inovação e incentivar o investimento em tecnologias sustentáveis, tendo simultaneamente em conta a evolução do mercado e a evolução das necessidades dos consumidores;
II
CONCEPÇÃO DE PRODUTOS QUE DURAM MAIS TEMPO
E PODEM SER REPARADOS
4. Congratula-se com a intenção da Comissão Europeia de adoptar uma iniciativa em matéria de produtos sustentáveis que reveja a Directiva Concepção Ecológica e alargue o seu âmbito de aplicação para além dos produtos relacionados com o consumo de energia;
5. Recorda que o fabrico de produtos conformes, sustentáveis e seguros é um ponto forte fundamental do mercado único da UE, que é benéfico tanto para os consumidores como para as empresas; insta, pois, a Comissão a exigir que os fabricantes concebam os seus produtos de modo a que estes durem mais tempo, possam ser reparados com segurança e a que as respectivas peças sejam facilmente acessíveis e possam ser removidas;
6. Destaca a necessidade de assegurar um melhor acesso dos utilizadores finais e dos prestadores de serviços de reparação independentes as peças sobresselentes e a manuais de instruções num prazo razoável e a um custo razoável, durante um período correspondente ao tempo de vida esperado do produto;
7. Insta a Comissão a considerar requisitos de durabilidade e reparação numa futura Directiva Concepção Ecológica com um âmbito mais vasto; sublinha a necessidade de analisar exaustivamente os requisitos, produto a produto, de modo a garantir que é escolhido o requisito que melhor se adequa ao fim a que se destina, observando, por exemplo, que, para alguns produtos, a concepção modular tornará as reparações mais fáceis e prolongará a vida útil dos produtos, ao passo que, para outros produtos, a concepção modular ou a obrigação de assegurar a reparabilidade podem comprometer a durabilidade;
8. Salienta que, em 2019, foram adoptadas várias medidas de execução ao abrigo da Directiva Concepção Ecológica, que introduziram um período obrigatório para o fornecimento de peças sobresselentes e prazos máximos de entrega, bem como requisitos de concepção em matéria de desmontagem/montagem de componentes;
exorta, por conseguinte, a Comissão a alargar o âmbito de aplicação dessas medidas a outras categorias de produtos, incluindo produtos não relacionados com o consumo de energia, tendo em conta as suas especificidades;
9. Recorda que o acesso de todos os intervenientes no sector da reparação à informação relativa a reparação e manutenção é fundamental para dar aos consumidores um maior acesso aos serviços de reparação; insiste, por conseguinte, em que um «direito à reparação» adequado deve proporcionar aos intervenientes na indústria da reparação, inclusive as oficinas de reparação independentes e os consumidores, acesso gratuito às informações necessárias sobre reparação e manutenção, designadamente informações sobre ferramentas de diagnóstico, peças sobresselentes, software e actualizações, que sejam necessários para efectuar reparações e manutenção; recorda a importância de um ambiente empresarial inovador e do respeito pelos segredos comerciais;
10. Realça que os bens com elementos digitais requerem especial atenção; salienta, em particular, que as actualizações de software têm de ser disponibilizadas durante um período mínimo, em conformidade com a Directiva Conteúdos Digitais; insiste em que os consumidores sejam plenamente informados sobre a disponibilidade de actualizações no momento da compra; acrescenta que as actualizações de funcionalidades devem ser reversíveis e não conduzir a uma diminuição do desempenho; observa que as práticas que restringem indevidamente o direito à reparação ou conduzem à obsolescência podem ser consideradas práticas comerciais desleais e, por conseguinte, ser aditadas ao anexo I da Directiva relativa às práticas comerciais desleais;
III
CAPACITAÇÃO DOS CONSUMIDORES
PARA ESCOLHEREM PRODUTOS REPARÁVEIS
11. Defende que a melhoria da informação prestada aos consumidores sobre a possibilidade de reparação dos produtos é fundamental para permitir que os consumidores desempenhem um papel mais activo na economia circular; considera que uma melhor informação dos consumidores permitir-lhes-ia tomar decisões de compra mais informadas, o que poderia orientar o mercado para produtos mais reparáveis;
CONGRATULA-SE, POR CONSEGUINTE, COM A ANUNCIADA INICIATIVA DA COMISSÃO EUROPEIA RELATIVA À CAPACITAÇÃO DOS CONSUMIDORES PARA A TRANSIÇÃO ECOLÓGICA
12. Sublinha que os consumidores devem receber informações fiáveis, claras e facilmente compreensíveis no ponto de venda sobre a durabilidade e a reparabilidade de um produto, que os ajudem a comparar e identificar os produtos mais sustentáveis disponíveis no mercado;
insta a Comissão a propor regras harmonizadas para a informação prestada aos consumidores, incluindo, entre outras elementos, a pontuação de reparabilidade, o tempo de vida estimado, a disponibilidade de peças sobresselentes e de serviços de reparação e o período durante o qual as actualizações de software estariam disponíveis no caso de bens com elementos digitais, tendo simultaneamente em conta os imperativos de segurança dos consumidores; observa que, para ser útil, essa informação deve ser disponibilizada no momento da compra;
13. Solicita, além disso, à Comissão Europeia que se certifique de que a informação sobre os produtos seja baseada em medições normalizadas, por exemplo em matéria de durabilidade, e que inicie o desenvolvimento de normas nos casos em que estas não existam;
14. Destaca o papel fundamental do rótulo ecológico da UE no incentivo à adopção, por parte da indústria, de políticas de rotulagem que transmitam aos consumidores informações fundamentais sobre o ciclo de vida dos produtos, equilibrando simultaneamente as obrigações das empresas com fortes incentivos comerciais positivos para reforçar a confiança dos consumidores; observa, no entanto, que este sistema de rotulagem é apenas voluntário;
15. Insta a Comissão Europeia a avaliar propor requisitos, aplicáveis aos fabricantes, para a criação de meios de rotulagem inteligente, como códigos QR e passaportes digitais de produtos, em toda a nova legislação relativa aos produtos e na revisão da Directiva Concepção Ecológica; apela a que seja assegurado um equilíbrio no desenvolvimento de iniciativas como o «passaporte digital europeu de produtos», através de uma estreita cooperação com a indústria e as partes interessadas pertinentes, tendo especialmente em conta o princípio da proporcionalidade e prestando particular atenção à consideração das necessidades das PME;
16. Insiste em que os consumidores que compram produtos em linha devam receber um nível de informação semelhante ao dos que compram fora de linha e que os Estados-Membros devem monitorizar e fazer cumprir que os vendedores em linha incluam as informações necessárias nos seus sítios Web e quando oferecem os seus produtos em mercados em linha;
17. Exorta a Comissão Europeia a apresentar uma proposta legislativa para incentivar a adopção de contratos públicos ecológicos; considera que os produtos reutilizados, reparados, refabricados e renovados, bem como outros produtos e soluções eficientes em termos de utilização de recursos e de energia que minimizam os impactos ambientais ao longo do seu ciclo de vida, são a escolha por defeito no âmbito de todos os contratos públicos, em consonância com os objectivos do Pacto Ecológico Europeu, e que, se não lhes for dada preferência, deve aplicar-se o princípio de «cumprir ou explicar»;
18. Apela à Comissão Europeia e às autoridades nacionais para que auxiliem e apoiem financeiramente as autoridades, empresas e associações locais e regionais na realização de campanhas de sensibilização dos consumidores para a extensão do tempo de vida útil dos produtos, em especial, fornecendo informações fiáveis e claras, aconselhamento e serviços como manutenção, reparação e reutilização;
19. Insta a Comissão Europeia e os Estados-membros a desenvolverem incentivos financeiros para os serviços de reparação, por forma a tornar a reparação conveniente e atractiva para os Reforço dos direitos dos consumidores e das garantias para uma utilização mais prolongada dos bens
20. Salienta que os consumidores europeus podem ter os seus bens reparados ou a conformidade dos seus conteúdos e serviços digitais reposta ao abrigo da Directiva Venda de Bens e da Directiva Conteúdos Digitais; realça que, embora os consumidores tenham o direito de escolher entre a reparação e a substituição de bens defeituosos ao abrigo da Directiva Venda de Bens, a reparação pode, em muitos casos, ser uma escolha mais eficiente em termos de recursos e com impacto neutro no clima; observa que, na prática, os consumidores optam geralmente pela substituição em detrimento da reparação, o que pode dever-se ao elevado custo da reparação; frisa que a substituição do produto deve continuar a ser uma alternativa se um consumidor e um vendedor assim o acordarem, atendendo a que a reparação pode ser demasiado morosa;
21. Solicita, por conseguinte, à Comissão Europeia que proponha, na sua iniciativa relativa ao direito à reparação, uma série de medidas destinadas a promover e incentivar os consumidores, os produtores e os comerciantes a optarem pela reparação em detrimento da substituição; sublinha que, ao propor tais medidas, a Comissão deve ter sempre em conta o nível mais elevado possível de protecção e bem-estar dos consumidores;
22. Observa que a próxima revisão da Directiva Venda de Bens poderia incluir, entre outras, medidas destinadas a incentivar os consumidores a optar pela reparação em detrimento da substituição, tais como a obrigação de fornecer um produto de substituição enquanto determinados produtos estão a ser reparados; entende que, para incentivar a reparação dos produtos, devem ser oferecidos certos incentivos aos consumidores que optem por reparar em vez de substituir; considera que uma garantia alargada poderia constituir um incentivo para optar pela reparação em detrimento da substituição; acrescenta que os vendedores devem sempre informar os consumidores de todas as opções à sua disposição, de forma equitativa, designadamente sobre os direitos de reparação e de garantia conexos;
23. Insta a Comissão Europeia a estudar a viabilidade da introdução de um mecanismo de responsabilidade conjunta fabricante-vendedor em caso de não conformidade dos produtos;
24. Observa que o actual quadro jurídico ao abrigo da Directiva Venda de Bens prevê um período mínimo de responsabilidade de apenas dois anos para os bens defeituosos e incentiva os Estados-Membros a alargá-lo; sublinha que se trata de uma regra de harmonização mínima e que apenas um número limitado de Estados-Membros vai para além desse período; entende, por conseguinte, que a revisão da Directiva Venda de Bens deve também propor a prorrogação da garantia legal para além de dois anos para algumas categorias de produtos; observa, ainda, a importância da plena harmonização do período de garantia legal;
25. Insta a Comissão Europeia a avaliar em que medida o direito à reparação pode ser proposto de modo a que os operadores do mercado possam oferecer um acesso fácil e a preços acessíveis à reparação, mesmo para além do período de garantia;
26. Realça que qualquer proposta deve ser acompanhada de uma avaliação de impacto adequada, que inclua análises de custo-benefício apropriadas, tanto para os consumidores como para as empresas, uma comparação das melhores práticas a nível nacional e com países terceiros e o impacto quantificado no bem-estar geral dos consumidores, no ambiente e nas empresas, incluindo as PME, entre outros aspectos;
SOLICITA À COMISSÃO EUROPEIA
forneça informações sobre os custos das reparações para as empresas da UE no mercado único; salienta a necessidade de fornecer todas as informações pertinentes e de propor também indicadores quantificáveis para medir o impacto de qualquer futura legislação;
27. Recorda que, actualmente, não existem regras específicas para a reparação de bens refabricados ou renovados; insta a Comissão Europeia a propor medidas que recompensem os comerciantes por oferecerem a possibilidade de reparação de bens refabricados ou renovados, a fim de aumentar a confiança dos consumidores; insta a Comissão Europeia a ponderar equipamentos como contadores de utilização e a proibir a destruição de bens não vendidos, de modo a facilitar a reutilização e a reparação de produtos.
27.
Bruxelas, 07 de Abril de 2022
A Presidente do Parlamento Europeu