12 de Agosto de 2022
Garantias: mantêm-se as circunstâncias, muda-se a lei, altera-se a solução…
“O Prof. divulgou,
em tempos, o teor do sumário de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [relatora:
conselheira Maria da Graça Trigo] em que se negou à consumidora a hipótese de
substituição do veículo, um Mercedes Benz topo de gama, após sucessivas
reparações que, pelos vistos, não satisfizeram a vítima:
“III - Tendo a
autora optado pelo direito à reparação
do veículo automóvel, não goza mais do direito a invocar tais defeitos ou a
falta de conformidade do bem como fundamento para exigir a substituição do automóvel,
qualquer que seja o momento que se considere.
IV - Efectuadas
sucessivas reparações no veículo e tendo o respectivo custo sido suportado pela
ré representante da marca [e por quem é
que deveriam ser suportados, sim, por quem?], os direitos da autora
encontram-se extintos não por caducidade mas pelo cumprimento.”
E num outro acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça, do
mesmo ano, subscrito pelo conselheiro João Camilo, se entendeu que “tratando-se
de compra e venda de um automóvel novo de gama média / alta que após várias
substituições de embraiagem, de software e de volante do motor, continuava a
apresentar defeitos na embraiagem, pode o consumidor recusar nova proposta de
substituição de embraiagem – a terceira – e requerer a resolução (extinção) do
contrato, sem incorrer em abuso de direito.”
Claro que isto foi
feito à luz da Lei Antiga: perante a
Lei Nova como se processam as
coisas?”
Ponderada a situação
– recusa
de substituição, num dos casos, devolução da coisa e restituição do preço,
noutro -, cumpre oferecer a solução que se nos afigura conforme ao direito posto,
hoje em dia:
1.
No quadro actual dos remédios
susceptíveis de adopção nas hipóteses de não
conformidade do bem com o contrato, a última coisa de que o consumidor
pode lançar mão será, em princípio, o “pôr termo ao contrato” (na linguagem do
direito, “resolver o contrato”, com a devolução da coisa e a restituição do preço
pago).
2.
A menos que a não conformidade (o vício, a avaria, o defeito, a anomalia, a diferença
entre o declarado e o oferecido…) ocorra logo nos primeiros 30 dias
pós-entrega, aí sim, pode o remédio funcionar com sucesso: é o denominado “direito de rejeição” que pode ocorrer,
sem mais, nos primeiros 30 dias, conferindo-se ao consumidor uma tal faculdade:
a de “pôr termo ao contrato”.
3.
Mas o consumidor pode pôr ainda termo ao contrato [através da
figura da resolução] numa mancheia de hipóteses, como segue:
3.1.Se o
fornecedor [não efectuar]:
3.1.1.
pura e simplesmente a reparação ou a
substituição [e há, em princípio, um limite
temporal para o efeito que é da ordem dos 30 dias];
3.1.2.
a reparação ou substituição, a título
gratuito ou em prazo razoável, como é de lei;
3.1.3.
Se recusar ‘repor a conformidade’ com
justa causa ou
3.1.4.
Declarar, ou resultar evidente das
circunstâncias, que não os reporá em conformidade em prazo razoável ou sem
grave inconveniente;
3.2.Se a não
conformidade tiver reaparecido apesar da tentativa de reposição;
3.3.Se ocorrer
uma nova
não conformidade; ou
3.4.Se gravidade da não conformidade
justificar a imediata redução do preço ou extinção
do contrato.
4.
Pode então, em
qualquer destas circunstâncias, o
consumidor pôr termo ao contrato, o
que implicará naturalmente a devolução
da coisa e a restituição do preço pago.
5.
O direito de pôr termo ao contrato não subsistirá, porém, se o fornecedor provar
que a não conformidade é mínima [não podendo, pois, o consumidor aproveitar-se de tal para
o efeito].
EM CONCLUSÃO
a.
Conquanto haja hoje uma
sorte de precedências no que toca à adopção dos remédios por lei
previstos em caso de não conformidade da
coisa com o contrato [a reposição de conformidade, em primeiro lugar,
mediante a reparação e a substituição do bem móvel corpóreo ou com elementos
digitais, à escolha do consumidor], há situações que conferem de imediato ao
consumidor a faculdade de pôr, sem mais, termo ao contrato.
b.
Tais hipóteses estão consubstanciadas
[e estultícia seria repeti-lo] circunstanciadamente, mas de forma concisa, nos
pontos de de 3.1. a 3.4. supra
c.
O que permite entrever soluções
distintas [diametralmente opostas] para hipóteses como a que fora objecto de
apreciação pelo Supremo Tribunal de
Justiça, em 2015, em acórdão relatado pela Conselheira Maria da Graça
Trigo.
Mário Frota
Presidente emérito
da apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Portugal