PROGRAMA
28 de Junho de 2022
Miguel Rodrigues
Um consumidor comprou um uma arca congeladora de grande porte
numa estabelecimento de referência. E ofereciam-lhe uma extensão da garantia a
que chamaram garantia comercial.
Logo que a arca teve uma “pane”, o consumidor bateu à porta
do estabelecimento, mas mandaram-no para a seguradora porque o que ele tinha
subscrito era um contrato de seguro.
A seguradora não quis assumir a cobertura porque diz que está
excluída do contrato de seguro.
Mário Frota
Com efeito, situações
destas ocorrem com mais frequência do que se supõe.
Há que distinguir a garantia legal da garantia contratual, que a lei já apelidou de garantia voluntária e
hoje denomina como garantia comercial.
A garantia legal para
as coisas móveis duradouras é desde o 1.º de Janeiro próximo passado de três
anos.
A garantia comercial
acresce à garantia legal: começa para além dos 3 anos. E terá o conteúdo que o
produtor ou fornecedor oferecer e nas condições que o consumidor se propuser
aceitar.
Mas não se pode
confundir um contrato de seguro com uma garantia comercial.
Isso é um autêntico
logro, uma fraude. E pela fraude responde o fornecedor, a empresa que contrata
com o consumidor e lhe impinge um contrato de seguro em vez de lhe oferecer uma
garantia complementar verdadeira e própria.
Já que o contrato de
seguro abrange de modo variável determinados riscos, tem uma estrutura própria
e a garantia comercial, ao invés, está
sujeita aos rigores da lei e contradistingue-se de um qualquer contrato
alternativo ou substitutivo.
A garantia comercial
obedece a um sem número de requisitos, imperativos, que as partes não podem nem
substituir nem derrogar, afastar..
Miguel Rodrigues
E que requisitos são esses?
Mário Frota
A garantia comercial
vincula o garante nos termos e nas condições previstas na respectiva declaração
e nos da comunicação comercial veiculada tanto previamente como no momento da
celebração do contrato. Aliás, em concordância com o que prescreve o n.º 5 do
artigo 7.º da LDC, que reza o seguinte:
“As informações
concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem,
serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se
venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas
contratuais em contrário.”
Mas a Lei das Garantias
dos Bens de Consumo aduz ainda [n.º 2 do seu artigo 43] que
“são ainda vinculativas
para o garante as condições anunciadas em publicidade anterior ou concomitante
ao momento da celebração do contrato.”, o que é uma mera repetição do que a Lei
de Defesa do Consumidor estabelece.
As leis deveriam ser o
mais concisas possível, dispensando a repetição à exaustão de preceitos que
nada acrescentam, afinal, antes propiciam o actual quadro que é o de uma
algaraviada que a ninguém aproveita e só
perturba o entendimento das normas pelas pessoas em geral…
Miguel Rodrigues
Mas se houver discordância entre a publicidade e o que consta
do cupão, da declaração da garantia o que é que prevalece?
Mário Frota
As condições mais
favoráveis ao consumidor
Sempre que as mensagens
de publicidade e outros modos de comunicação comercial não sejam coincidentes
ou divirjam, o consumidor beneficia das condições mais favoráveis a esse
propósito enunciadas.
Exceptua-se, porém, o
facto, sempre que - em momento anterior
ao da celebração do contrato – as mensagens ou outras manifestações do estilo,
ínsitas na mancha da comunicação comercial hajam sido corrigidas, contanto o
sejam de forma idêntica ou comparável e de molde a que não subsistam dúvidas de
qualquer jaez a tal respeito.
De outro modo, se a
coisa ocorrer de forma difusa ou dissimulada ou “in fraudem legis”, prevalece a
publicidade veiculada anteriormente, desvalorizando-se o arremedo de
rectificação com o intuito de subtrair o fornecedor ou seus prepostos às
inevitáveis consequências do que nela se contém ou induz.
Miguel Rodrigues
Essa responsabilidade obriga o vendedor, o fornecedor. E pode
haver, nesses casos, responsabilidade directa do produtor?
Mário Frota
Nos casos em que o produtor
oferece uma garantia comercial por um dado lapso de tempo, é directamente
responsável perante o consumidor pela reparação ou substituição do bem durante
o período da garantia como tal configurada.
Só pela reparação ou
reparação.
Não pode contra o produtor
ser posto termo ao contrato, por exemplo, nem exigir-se o abatimento, a redução
proporcional do preço.
Miguel Rodrigues
Mas a garantia comercial não pode ser só de boca ou constar
da publicidade, como em tempos aparecia aí nos MUPIS uma marca japonesa a
anunciar, sem mais, 7 anos de garantia. Como já aqui se disse “ a garantia é
toda de toda a coisa”...
Mário Frota
A declaração de
garantia comercial está sujeita a escrito particular.
E ou é emitida em
suporte papel ou, de harmonia com as tecnologias de informação, em um qualquer
outro suporte duradouro: a chave Universal Serial Bus (USB), o Compact Disc
Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatle Disc (DVD), os cartões de memória
ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao fornecedor …
armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, e, mais tarde,
aceder-lhes pelo tempo adequado à finalidade das informações, e que possibilite
a respectiva reprodução inalterada: o consumidor deve ficar munido de um
documento que permita conhecer as condições da garantia do produto ou serviço
contratado.
Miguel Rodrigues
E essa declaração tem de ser entregue ao consumidor no momento da celebração do contrato?
Mário Frota
Tem de ser entregue ao
consumidor ou em momento anterior, ANTES
ou no acto da celebração do contrato
A declaração em que se
encerra a garantia comercial, independentemente do idioma em que possa ser
lavrada, tem de ser obrigatoriamente redigida em língua portuguesa. Com as características de clareza, transparência e
inteligibilidade, nem sempre ao alcance de agentes económicos que menosprezam a
simplicidade e dela não fazem de todo profissão de fé.
Miguel Rodrigues
E garantia, mesmo de papel passado ou noutro suporte
duradouro, basta-se, é suficiente, com o número de anos mais em que funcionará
e o preço por que o consumidor pagará por isso?
Mário Frota
Não. As coisas são mais
complexas do que possa parecer à primeira vista.
Dela têm de constar um
sem-número de menções obrigatórias, que a lei – por serem obrigatórias, que não
facultativas - expressamente prevê e impõe.
Miguel Rodrigues
E quais são as tais menções obrigatórias?
Mário Frota
Da declaração de
garantia comercial terão de constar imperativamente um sem-número de menções, a
saber (pela ordem que não é a da lei):
O nome e o endereço do garante
[fornecedor e / ou produtor];
A designação dos bens aos quais a
garantia comercial se aplica;
Duração e âmbito territorial da
garantia;
A declaração clara de que o consumidor
é titular dos direitos à reposição da conformidade [reparação e substituição],
à redução do preço ou à extinção do contrato [por meio da figura da resolução
por incumprimento] previstos na lei, e de que tais direitos não são de nenhum
modo afectados pela garantia comercial: o que é extraordinariamente importante
para se não misturar alhos com bugalhos…
Menção clara e expressa a respeito do
objecto da garantia comercial, benefícios atribuídos ao consumidor por meio do
exercício da garantia, bem como as condições para a sua atribuição, incluindo a
enumeração dos encargos, nomeadamente os relativos às despesas de transporte,
de mão-de-obra e de material, e ainda os prazos e a forma de exercício da
garantia, incluindo a quem incumbe provar a falta de conformidade e o prazo
aplicável a tal ónus;
O procedimento [prático, material e
formal] a adoptar pelo consumidor para executar com sucesso a garantia
comercial.
Miguel Rodrigues
Se o garante [o fornecedor, o produtor] falhar, se fugir a
pôr lá isso, a garantia comercial não tem valor?
Mário Frota
Ainda que os requisitos
ínsitos nos dois pontos precedentes se não observem, tal não afecta a validade da
garantia, que é susceptível de se opor ao fornecedor e ou ao produtor [isto é,
ao garante, que da responsabilidade que
lhe cabe se não pode de todo furtar, eximir, fugir]. Para além da responsabilidade
por danos patrimoniais [materiais] e não patrimoniais [morais] que no caso couberem e o consumidor [ou
terceiro adquirente] se propuser requerer.
Miguel Rodrigues
Mas se, por exemplo, o consumidor vender a coisa a outra
pessoa ou até a uma empresa, a garantia comercial desaparece?
É que no Brasil diz-se que a garantia contratual, lá chama-se
contratual, que não comercial, não se transmite a quem compre a coisa.
Que é só entre quem primeiro contratou: comerciante e
consumidor. Que se o consumidor a vender, aquele que a comprar já não beneficia
da garantia.
Mário Frota
A garantia recai sobre
a coisa, o objecto mediato do contrato, que não sobre o sujeito.
Se recai sobre a coisa,
então a garantia transmite-se, diz-se e diz a lei, ao adquirente.
Os direitos compreendidos
na garantia comercial transmitem-se
imperativamente ao terceiro adquirente do bem, seja a título gracioso, seja
oneroso.
A garantia não é “intuitus personae”: a garantia inere à
coisa, ao bem.
Logo, operando-se a
transmissão do bem [coisa corpórea ou com a incorporação de conteúdos ou
serviços digitais] aquele a quem se transmite a coisa, quer se trate de pessoa
singular [consumidor ou mero particular] quer de pessoa colectiva, beneficia da
garantia e nos termos em que tal se conferiu ao primitivo adquirente.
Miguel Rodrigues
E se houver problemas, isto é, se o terceiro adquirente,
aquele que compra do consumidor, quer se trate de particular quer deuma
empresa, tiver de accionar a garantia
como é que a coisa funciona?
Os meios de tutela é
que são distintos segundo as situações perspectivadas:
§ se se tratar do consumidor adquirente originário, o recurso aos tribunais
arbitrais necessários, no âmbito da competência em razão do valor [até 5.000 €],
impor-se-á;
§ se se tratar de mero particular a quem por contrato se haja transmitido a
titularidade da coisa, já o recurso aos tribunais arbitrais parece estar
vedado, ainda que se trate de transmissão dos direitos de consumidor nos quais
haja ficado sub-rogado: é que tratando-se de contrato de compra e venda entre
particulares, com um contrato de compra e venda dissociado do original,
competente não será o tribunal arbitral de conflitos de consumo, antes o
julgado de paz, se o houver na jurisdição, ou o tribunal de primeira instância
territorialmente competente e em razão da matéria;
§ tratando-se de pessoa colectiva [pessoa jurídica] o mesmo é susceptível
de se observar - ou julgado de paz ou tribunal de primeira instância competente
em razão da matéria, do valor e do
território.