“INFORMAR
PARA NÃO REMEDIAR”
31
de Maio de 22
Miguel
Rodrigues
Terão
entrado em vigor importantes alterações nas leis de defesa do consumidor, em
Portugal, em consequência de uma Directiva Europeia de 2019, no último sábado,
28 do mês de Maio, que hoje chega ao fim.
O
que nos pode dizer sobre isso?
Mário
Frota
São muitas – e muito importantes – as alterações.
São muitos os diplomas legais atingidos.
PROIBIÇÃO
DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA
A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor também
sofreu alterações. E uma é de extrema importância uma das alterações: a da
proibição da denominada obsolescência programada:
A
obsolescência programada é, na sua essência, a pré-determinação do ciclo de
vida de um produto. Como se, ao nascer, se inscrevesse já, na sua matriz, a
concreta data do seu passamento, da sua morte. Como se o produto, no momento do
seu lançamento no mercado, se fizesse acompanhar já de uma certidão de óbito
com data pré-estabelecida…
“É vedado ao profissional a adopção de quaisquer
técnicas através das quais o mesmo visa reduzir deliberadamente a duração de
vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de
bens.”
Miguel
Rodrigues
E
o que se passa com os contratos fora de estabelecimento, em duas das suas
manifestações: contratos porta-a-porta ou ao domicílio e os celebrados durante
excursões organizadas pelos seus promotores?
Mário Frota
A Lei dos Contratos
à Distância e Fora de Estabelecimento diz agora no seu artigo 10.º:
1 - O consumidor tem
o direito de [se retractar d]o contrato sem incorrer em quaisquer custos, para
além dos estabelecidos no n.º 3 do artigo 12.º e no artigo 13.º, quando for
caso disso, e sem necessidade de indicar o motivo, no prazo de 14 dias ou, nos
contratos celebrados fora do estabelecimento comercial a que se referem as
subalíneas ii) [ao domicílio] e v) [no decurso de uma excursão organizada pelo fornecedor] da alínea i) do artigo
3.º, no prazo de 30 dias, a contar:
a) [Do dia da
celebração do contrato, no caso dos contratos de prestação de serviços;
b) Do dia em que o
consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo
consumidor adquira a posse física dos bens, no caso dos contratos de compra e
venda, ou:
i) Do dia em que o
consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo
consumidor adquira a posse física do último bem, no caso de vários bens
encomendados pelo consumidor numa única encomenda e entregues separadamente,
ii) Do dia em que o
consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo
consumidor adquira a posse física do último lote ou elemento, no caso da
entrega de um bem que consista em diversos lotes ou elementos,
iii) Do dia em que o
consumidor ou um terceiro por ele indicado, que não seja o transportador,
adquira a posse física do primeiro bem, no caso dos contratos de entrega
periódica de bens durante um determinado período;
c) Do dia da
celebração do contrato, no caso dos contratos de fornecimento de água, gás ou
electricidade, que não estejam à venda em volume ou quantidade limitados, de
aquecimento urbano ou de conteúdos digitais que não sejam fornecidos num
suporte material].
…
3 - Se, no decurso
do prazo previsto no número anterior, o fornecedor de bens ou prestador de
serviços cumprir o dever de informação pré-contratual a que se refere a alínea
n) do n.º 1 do artigo 4.º, o consumidor dispõe de 14 dias ou, nos contratos
celebrados fora do estabelecimento comercial a que se referem as subalíneas ii)
[no domicílio do consumidor] e v) [em excursões organizadas pelo fornecedor,
seu representante ou mandatário] da alínea i) do artigo 3.º, de 30 dias
para[se retractar d]o contrato a partir da data de recepção dessa informação.
Por conseguinte,
passa a ser de 30 dias, que não de 14, o prazo dentro do qual o consumidor pode
dar o dito por não dito.
Mas isto devia
estender-se também a outras situações… como aquelads em que as pessoas são
atraídas pelo telefone para fazerem testes de saúde e, depois, çhes impingem um
colchão ou instrumentos de medição de certas coisas ligadas com doenças, etc.
Miguel
Rodrigues
O
professor já escreveu, há tempos, qualquer coisa como isto:
“A Meo usa de um abominável assédio para
efectuar a cobrança de um dado montante que o reclamante entende não dever e já
tem barbas: mais de oito anos.
E
a ameaça que mais o perturba é a de que se não cobrar a bem, vai cobrar a mal,
já que deixou bem claro que compelirá o consumidor a pagar a dívida nos tribunais.
O
consumidor desse modo perseguido dizia, numa sessão pública, que por ser
“sócio” fora à Deco-Proteste para se esclarecer quanto aos seus direitos, E que
ficou surpreendido porque a advogada que o atendeu disse que teria obrigatoriamente de pagar
porque a prescrição ordinária é de 20 anos. Que a Meo teria ainda mais 12 anos
para cobrar a dívida.”
Esta
informação, prestada ao consumidor, é correcta?
Mário
Frota
1. As dívidas
prescrevem pela passagem do tempo. Há distintos prazos de prescrição, consoante
a natureza das dívidas.
Assim,
. o prazo ordinário da prescrição é de vinte
anos.
. prescrevem, porém, entre outros, no prazo de cinco anos:
. as rendas e alugueres devidos pelo locatário,
ainda que pagos por uma só vez;
. os juros convencionais ou legais, ainda que
ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
. as quotas de amortização do capital pagáveis
com os juros;
. as pensões alimentícias vencidas;
. quaisquer outras prestações periodicamente
renováveis.
A lei apresenta ainda outras hipóteses, em particular
no que se refere a prescrições que se fundam na presunção de cumprimento, mas
que ora não vêm ao caso.
2.
Para as dívidas dos serviços públicos
essenciais (água, energia eléctrica, gás, comunicações electrónicas …, …) o
prazo de prescrição é de 6 meses.
A Lei dos Serviços Públicos Essenciais
estabelece-o no seu artigo 10.º:
“1 - O direito ao recebimento do preço do serviço
prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do
prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao
consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca
dentro de seis meses após aquele pagamento.
3 - A exigência de pagamento por serviços
prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de
10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efectuar o pagamento.
4 - O prazo para a propositura da acção ou da
injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação
do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.
5 - O disposto no presente artigo não se aplica
ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.”
3.
Para que a prescrição seja eficaz, ou
seja, para que o consumidor dela se
poder prevalecer, cabe invocá-la, uma vez interpelado pelo credor para pagar.
Se o consumidor não invocar em seu benefício a prescrição, teria, em princípio,
de efectuar o pagamento.
4.
O fornecedor poderá exigir o
pagamento quer por carta, quer por meio de injunção ou acção judicial. Se o fizer
por carta, o consumidor, na resposta, terá de dizer exactamente que a dívida
reclamada já prescreveu.
4.1.Se se tratar
de um qualquer meio judicial (acção ou injunção) é na contestação ou na
oposição, respectivamente, que o consumidor invoca, em seu favor, a prescrição.
4.2.O tribunal
não pode conhecer oficiosamente, por sua iniciativa, pois, da prescrição.
É o que diz o Código
Civil, no seu artigo 303:
“O tribunal não pode
suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser
invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu
representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”.
5.
É ao consumidor ou seu representante
que cabe invocar a prescrição. Não pode esperar que outrem o faça por si. Menos
ainda o juiz se o caso for para à barra dos tribunais.
6.
O Código Civil diz, por outras
palavras, que, vencido o tempo da prescrição, tem o consumidor o direito de não
pagar.
Eis como o diz no
seu artigo 304:
(Efeitos da
prescrição)
“1. Completada a prescrição,
tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se
opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
2. Não pode,
contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de
uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este
regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem
como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias.
3. …”.
7. No entanto, se pagar, por ignorância,
distracção ou por qualquer outra circunstância, não pode o consumidor, por
força de lei, exigir a devolução do montante pago (a lei chama-lhe “a repetição
do indevido”: “não pode ser repetida a prestação”…).
8. Há como que uma ideia de justiça aqui,
contraposta à de segurança jurídica: se pagou, embora não o devesse fazer por
razões de segurança do direito, pagou bem. É justo que tenha pago. E, por isso,
nada pode pedir de volta. Não poderá pedir que se lhe restitua o que
indevidamente pagou.
9.
No entanto, ainda que não tenha invocado a prescrição extrajudicialmente e se a
acção for, entretanto, proposta, observa-se aí a caducidade do direito de
acção, essa já de conhecimento oficioso, como os tribunais o admitem, que
absorve a prescrição não invocada, devendo a acção improceder.
Miguel Rodrigues
E o que se passa de novo com a
MEO?
Mais uma coima por práticas
contra as leis em vigor?
Mário Frota
Com efeito, assim é:
A ANACOM aplicou à MEO uma
coima única de 60 000 euros, por se ter provado, em processo de contra-ordenação,
que a MEO não aceitou um pedido de denúncia contratual apresentado por um
assinante num dos seus estabelecimentos e prestou informações falsas a dois
consumidores, tendo essas informações conduzido à contratação de novos
serviços.
Num destes casos, a MEO
apresentou uma proposta comercial, informando o consumidor que já não estava em
curso qualquer período de fidelização com outro prestador de serviços de
comunicações electrónicas, informação essa que era incorrecta e levou o
consumidor a celebrar o contrato.
As condutas adoptadas pela
MEO são lesivas do direito dos assinantes à cessação dos contratos e do direito
dos consumidores a informação correta, de modo a adoptarem uma decisão de
contratação devidamente esclarecida, obstando ainda ao desenvolvimento e
promoção da concorrência no setor das comunicações electrónicas.
Encontra-se a decorrer o
prazo para impugnação judicial dessa decisão, que foi adoptada em 3 de maio de
2022.