O respeito que os
consumidores merecem aos media exige da informação isenção, rigor, exigência e
se busque, em cada uma das ocorrências, quem domine os temas para que os
eventuais esclarecimentos não perturbem e não confundam ainda mais os seus
destinatários.
A propósito das
prendas de Natal e da susceptibilidade das trocas, um jornal de referência, dos
poucos que ainda por aí circulam em suporte papel, recorreu, em tempos, a
alguém pretensamente ligado a uma “associação”
de “consumidores” (a saber, uma
mercearia de secos e molhados que cuida bem do seu "umbigo" e agora
até oferece para venda vinhos e outros produtos dissimulados em cabazes de
Natal!) a fim de esclarecer todos e cada um acerca da matéria.
E o que ficou da
opinião transcrita é que não há qualquer direito à troca de produto por outro
similar ou distinto. E que se trata de um favor, uma mera cortesia, repete-se,
de UM FAVOR dispensado aos consumidores, fruto da política de cada uma das empresas.
E a bel talante de cada uma delas!
Nada de mais
erróneo!
Talvez conheçam
tais opinadores os contratos fora de estabelecimento (ou porta-a-porta) ou a
tal assimilados, talvez não ignorem o regime dos contratos à distância (por
qualquer meio não presencial), mas, ao que parece, ignoram o mais...
E não é isento de
particularismos o naipe de contratos equiparados aos celebrados fora
de estabelecimento comercial, nem sempre como tal havidos por manifesta
ignorância ou acentuada distracção!
Com exemplo, neles
figuram os:
• Celebrados no
estabelecimento comercial do fornecedor ou através de quaisquer meios de
comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e
individualmente, contactado num local que não seja o do estabelecimento
comercial do fornecedor respectivo;
• Celebrados no
domicílio do consumidor;
• Celebrados no
local de trabalho do consumidor;
• Celebrados em
reuniões em que a oferta de bens ou de serviços seja promovida por demonstração
perante um grupo de pessoas reunidas no domicílio de uma delas, a pedido do
fornecedor ou do seu representante ou mandatário;
• Celebrados
durante uma deslocação organizada pelo fornecedor de bens ou por seu
representante ou mandatário, fora do respectivo estabelecimento comercial;
• Celebrados no
local indicado pelo fornecedor de bens, a que o consumidor se desloque, por sua
conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial feita pelo fornecedor
de bens ou pelo seu representante ou mandatário.
Nestes contratos,
os consumidores dispõem, por lei, de 14 dias para dar o dito por não dito. Não
são contratos firmes. Estão sujeitos a um período de reflexão ou ponderação
dentro do qual os consumidores podem retractar-se, ou seja, “dar o dito por não
dito”, desfazendo-os de todo e reembolsando o preço pago.
Ignoram decerto a
existência de outras modalidades de contratos, disciplinados, de resto, pelo
Código Civil, cuja consulta se recomenda vivamente e cuja disciplina se aplica
subsidiariamente às relações jurídicas de consumo.
Ignoram os
"contratos a contento", cujo regime se acha plasmado nos artigos 923
e seguinte do Código Civil.
Como ignoram os
contratos “sujeitos a prova”…
1. VENDA
A CONTENTO: o que é?
É a que é feita
sob reserva de a coisa agradar ao consumidor.
Mas a compra e venda
a contento apresenta-se sob duas modalidades:
. a primeira, como
mera proposta de venda;
. a segunda, como
contrato (há já um contrato e não uma mera proposta contratual) susceptível de
resolução, vale dizer, de ao contrato se pôr termo, se a coisa não agradar ao
consumidor.
1.1. Venda a contento na primeira modalidade
No caso da
proposta de venda, a coisa deve ser facultada ao consumidor para exame.
A proposta
considera-se aceita se, entregue a coisa ao consumidor, este se não pronunciar
dentro do prazo da aceitação que se estabelecer (por exemplo, 8, 10, 15 dias…).
Neste caso, não
haverá pagamento porque não há contrato, mas, como se disse, uma proposta
contratual. O que pode é haver uma qualquer entrega do valor da coisa
equivalente ao preço, a título de caução.
Devolvida a coisa,
restituir-se-á a caução na íntegra. Não há cá vales, menos ainda vales com
prazos de validade, curtos ou longos, com o fito de se vender ulteriormente,
pelo seu valor, uma outra coisa.
1.2. Venda a contento na segunda modalidade
Se as partes
estiverem de acordo sobre a resolução (a extinção) da compra e venda, isto é,
sobre a faculdade de se pôr termo ao contrato no caso de a coisa não agradar ao
comprador, o vendedor pode fixar um prazo razoável para tal, se nenhum for
estabelecido pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos “comerciais”.
A entrega da coisa
não impede que o consumidor ponha termo ao contrato.
A devolução da
coisa obriga à restituição do preço, na íntegra, de imediato, sob pena de o
vendedor incorrer em mora.
Neste aspecto,
como há já contrato, se a ele se puser termo, terá de se operar a restituição
do preço e a devolução da coisa.
De há muito que
defendemos neste particular que se deveria legislar, a fim de se preverem
coimas (sanções em dinheiro e sanções acessórias) para o caso de o vendedor se
atrasar a restituir o preço ou se o quiser fazer por outro modo, seja através
de vales ou por qualquer outra modalidade de pagamento. Coisa que se não
admite: o consumidor entregou dinheiro, deve ser-lhe restituído o valor em
numerário e não por qualquer outra forma; pagou por cartão de débito ou de
crédito, deve ser feito de imediato o cancelamento do pagamento, de modo
inequívoco e sem prejuízos de qualquer espécie.
Como se fez agora
quer no que se refere, de forma ampla, às Garantias dos Bens de Consumo como no
que se reporta à violação da Lei das Condições Gerais dos Contratos.
DÚVIDAS
SOBRE A MODALIDADE DA VENDA
Em caso de dúvida
sobre a modalidade que as partes tiverem tido em mira, presume-se que é a primeira
a adoptada: ou seja, não que tivessem escolhido um contrato de compra e venda
susceptível de a ele se pôr termo se a coisa não agradar ao consumidor, mas uma
mera proposta de venda.
2. COMPRA
E VENDA SUJEITA A PROVA: o que é?
A compra e venda
sujeita a prova está regrada no artigo 925 do Código Civil. Aplica-se
subsidiariamente aos contratos de consumo.
O regime é o que
segue:
A venda sujeita a
prova considera-se feita sob a condição (suspensiva) de a coisa ser idónea para
o fim a que é destinada e ter as qualidades asseguradas pelo vendedor.
Condição
suspensiva é aquela segundo a qual as partes subordinam a um acontecimento
futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico.
Por conseguinte,
se o acontecimento futuro ocorrer, estaremos perante uma condição suspensiva: o
negócio jurídico produz os seus efeitos normais.
A venda sujeita a
prova pode estar sujeita a uma condição resolutiva.
A condição
resolutiva é aquela segundo a qual as partes podem subordinar a um
acontecimento futuro e incerto a extinção do negócio.
Se o acontecimento
se verificar, a condição será resolutiva: o negócio não produzirá os seus
efeitos.
A coisa deve ser
facultada ao comprador para prova.
A prova deve ser feita dentro do prazo e
segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos mercantis.
Se tanto o
contrato como os usos forem omissos, observar-se-ão o prazo fixado pelo
vendedor e a modalidade escolhida pelo comprador, desde que razoáveis.
Não sendo o
resultado da prova comunicado ao vendedor antes de expirar o prazo a que se
refere o parágrafo anterior, a condição tem-se por verificada quando suspensiva
(isto é, o negócio produz os seus efeitos normais, o contrato passa a ser
firme) e por não verificada quando resolutiva (o mesmo se dará aqui nessa hipótese).
Mas ignoram ainda,
ao que parece, o princípio da autonomia da vontade, segundo o qual sob a
epígrafe
Liberdade
contratual
se diz que
“1. Dentro
dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo
dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou
incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem
ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou
parcialmente regulados na lei”
E o facto é que os
contratos que fornecedores e consumidores celebram nestas circunstâncias (e é
essa tanto a vontade de uns e de outros, fundidas em negócio jurídico que - se
assim não fora - nem os consumidores comprariam nem os comerciantes venderiam)
são-no com a faculdade de troca em um dado período de tempo (que outrora fora
de oito dias, pelo recurso paralelo ao prazo do proémio do artigo 471 do Código
Comercial, que, de resto, constava das notas emitidas pelos estabelecimentos).
Contrato que é um
híbrido do contrato de venda a contento ou sujeita a prova com consequências
menos gravosas para o comerciante que os verdadeiros e próprios contratos
típicos, nominados, como supra se definem, com a faculdade de troca do bem, já
que se pactua a substituição da coisa que não a sua devolução pura e simples.
E isso de há muito
que faz parte também dos usos comerciais que, nessa medida, vinculam. Não de
trata de uma cortesia, de um mero favor, de uma condescendência, que possa ser
recusada a cada instante, com uma instabilidade enorme para as partes e
nefastas consequências para o comércio.
Se se pactuar,
porém, um contrato típico de venda a contento ou sujeita a prova, de modo
esclarecido, os efeitos jurídicos são exactamente os que ali se prevêem: a
devolução da coisa e a restituição do preço. Que não a simples troca ou
substituição.
Não se fale, pois,
em favor nem em mera cortesia. Não se diga que os fornecedores não estão
obrigados a efectuar as trocas com as consequências daí emergentes. Porque,
nestes termos, estarão obrigados a tal. Sem discussões.
Mas seja qual for
a modalidade do contrato, impera também aqui a lei da garantia dos bens de
consumo:
Em caso de
desconformidade, o consumidor pode, em termos de razoabilidade e adequação,
lançar mão, no período de três (3) anos [a partir do 1.º de Janeiro que se
avizinha, que não para as compras até lá efectuadas, em que a garantia legal é
ainda de dois (2) anos], dos remédios conhecidos, não sujeitos a qualquer
precedência: ou envereda pela reparação da coisa ou pela sua substituição ou pela
redução do preço ou por pôr termo ao contrato com a devolução da coisa e a
restituição do preço.
Contanto é que, no
lapso de 60 dias (ainda na vigente Lei das Garantias que para a que lhe sucede
não haverá esse lapso restritivo, antes o pode fazer nos dois anos que se lhe
facultam para o exercício do direito de acção), denuncie ao fornecedor a não
conformidade da coisa (o vício, o defeito, etc…).
Por conseguinte, e
em conclusão
As
TROCAS de Brindes, de Prendas,
nesta
como em outras ocasiões,
Não
são MEROS FAVORES,
Antes
algo regrado no Código
ou
em resultado dos usos
ou
do acordo das partes.
Há
estabelecimentos que, como outrora, estabelecem o período dentro do qual as
trocas são possíveis...
Estão no cerne das
negociações comerciais, estão previstas na lei, são por tal disciplinadas,
decorrem da livre negociação entre as partes, resultam de usos comerciais
consolidados.
Aliás, em
decorrência de uma tal circunstância, ainda se anunciou, mas tal não se vê no
comunicado do Conselho de Ministros de ontem, 21 de Dezembro em curso, nada no
sentido de as trocas de artigos se autorizar até 31 de Janeiro do ano que aí
vem.
Favor é o
consumidor propender à troca num contrato a contento ou sujeito a prova quando
a lei lhe confere o direito à devolução pura e simples da coisa (sem que se lhe
restitua o dinheiro, antes se "imponha" a troca).
Entendamo-nos,
pois!
Para que não haja
nem subversão de DIREITOS nem prejuízos para a parte mais débil, em princípio,
em contratos desta natureza.
Mário
Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal