A
INFORMAÇÃO COMO ELEMENTO ESSENCIAL
NO
QUOTIDIANO DOS CIDADÃOS, EM GERAL,
E,
EM PARTICULAR, NO DOMÍNIO DO CONSUMO
I
CONSIDERAÇÕES
GERAIS
O Código Civil estabelece, no seu artigo 6.º,
algo de que os mais conservadores se fazem instantemente eco para fustigar os
cidadãos que eventualmente se eximam ao cumprimento da lei.
Numa incessante
repetição dos cânones como se o cidadão se responsabilizasse pela forma
anacrónica como o Estado entende dotar de dejectos legislativos a sociedade,
nesta inestancável diarreia com que vem “brindando” todos e cada um.
O Estado que não
pode actuar nem praeter (para além) nem contra legem (contra a lei) e dá
amiúde exemplos sobejos de que a lei que segrega, a lei que formula, se lhe não
impõe, tem peculiares obrigações neste particular que, não raro, denega...
Com efeito, o que o
mencionado preceito diz, sob a epígrafe “ignorância
ou má interpretação da lei”, para valer urbi et orbi, é que
“a ignorância
ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta
as pessoas das sanções nela estabelecidas.”
No seu contrapolo, o
Estado, ciente de que não é possível emergir do “mare magnum” de leis de
que se desdoura o ordenamento, contradiz-se e avoca uma tarefa, uma missão, que
bem se entende, numa sociedade aberta, face à teia inextricável de ditames que impõe à comunidade de cidadãos com
vista ao seu cumprimento:
“O acesso ao direito
e aos tribunais constitui uma responsabilidade do Estado, a promover,
designadamente, através de dispositivos de cooperação com as instituições
representativas das profissões forenses.”
E, subsequentemente,
acrescenta: “o acesso ao direito compreende a informação jurídica e a protecção
jurídica.” (Lei 34/2004: artigo 2.º)
É nestes termos que
a Lei do Acesso ao Direito e à Justiça,
em vigor em Portugal, e remonta a 29 de Julho de 2004, estabelece como que, em
autêntica inversão de paradigma, que
“1 - Incumbe ao Estado realizar, de modo permanente e planeado, acções
tendentes a tornar conhecido o direito e o ordenamento legal, através de
publicação e de outras formas de comunicação, com vista a proporcionar um
melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente
estabelecidos.
2 - A informação jurídica é
prestada pelo Ministério da Justiça, em colaboração com todas as entidades
interessadas, podendo ser celebrados protocolos para esse efeito.”
A ignorância da lei
só não aproveita ao cidadão se o Estado honrar o compromisso a que constitucional,
legalmente se atém de tornar conhecido o direito no emaranhado de leis e outros
dispositivos de que se tece (normalmente mal) o ordenamento.
Mal…
porque a motorização legislativa a
que se assiste, no dizer de Karl Schmitt, se é inacessível (dizemos nós), a
despeito dos vastos meios disponíveis, a quem tem de aplicar a lei, menos ainda
o será ao comum dos cidadãos que nem sequer consegue ver da lei uma só letra,
ainda que do tamanho da Sé de Braga…
Por conseguinte, se
a ignorância da lei não for imputável ao cidadão por incumprimento dos deveres
a que o Estado se adscreve, tem de ser inteiramente assacada ao próprio Estado
que sistematicamente borrega no que tange a essa primacial função que lhe cabe
e, ao que parece, ostensivamente jamais observou.
E nem sequer se
argumente que os distintos departamentos do Estado dispõem de portais em
suporte digital, ao alcance de quem quer, com a legislação atinente ao
ordenamento parcial que lhe quadra.
O que se pode, com
efeito, verificar é que os portais dos inúmeros departamentos do Estado que
encerram a legislação específica do domínio em que imperam, para além da
diversidade dos modelos, por via de regra nem sequer actualizam os diplomas
deles constantes, numa algaraviada difícil de destrinçar e de todo
insusceptível de caber na compreensão de qualquer observador mediamente
informado.
E nisto se gastam
milhões do erário, sem honra nem glória, numa manifestação acabada do
desperdício dos dinheiros dos contribuintes e como modelo maior da
desorganização que campeia e que é apanágio da “terra de ninguém” em que o próprio Estado se transformou.
Simples questões de
ordem, de disciplina, de rigor, determinaria modelo distinto, muito mais
económico e muito mais acessível, à semelhança, de resto, com o que sucede em
Itália, em que o claviculário é a Corte
di Cassazione (o Tribunal Supremo Italiano), que dispõe de um sistema
modelar que funciona deveras, tanto quanto nos é dado saber, e que em tempos
visitámos com o pormenor possível.
Se houvesse, no seio
do Conselho de Ministros (e houve ou há), um Gabinete de Coordenação
Legislativa que tivesse a chave do sistema geral (aí concentrado) e a que
parcialmente, em função da especialidade, recorreriam os distintos
departamentos, seria possível, a custos enormemente acessíveis e com uma
organização inatacável, dispor de legislação permanentemente acessível e,
quiçá, susceptível de apreensão pelos cidadãos, em resumos descodificados.
Menos
lei, melhor lei, para se escapar ao turbilhão de leis
mal conseguidas, como as que emanam quer do Parlamento, quer do Governo, quer
das entidades regulatórias que também enxameiam de complexos complexos de normas o ordenamento…
Basta olhar para os
termos da Lei que concretiza o tipo de letra admissível nos contratos
pré-formulados e cria a ‘Comissão das Cláusulas Abusivas’ para se ter uma ideia
da deficiente forma de legislar do Parlamento, que revela de todo não dominar
sequer as subtilezas do ordenamento e as técnicas apropriadas.
E dos diplomas que
vêm saindo sistematicamente das mãos do Governo com uma técnica legislativa de
reverberar, sem considerar as iníquas soluções que deles emanam (como o que
recentemente se estabeleceu com a garantia dos imóveis, bipartindo-se em
elementos constritivos estruturais e não estruturais), o que torna a tarefa
interpretativa um autêntico quebra-cabeças.
Recordo, com
amargura, uma situação com a base de
dados legislativa da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa do Ministério
Público que dava como bom o artigo
14 da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor (31 de Julho de 1996) quando, na
realidade, de plano, havia sido já fustigado pela rasoira do legislador, com
excepção do seu inciso primeiro, por mor da aprovação do Regulamento das Custas Judiciais (26 de Fevereiro de 2008).
O facto iludiu
muitos consumidores e, aliás, até advogados, crentes na natureza imaculada de
tal Base de Dados, considerada modelar e a que muitos ainda hoje recorrem que,
por mor da invocação do preceito que isentava de taxas de justiça e de custas
as acções assentes em relações jurídicas de consumo, se viram condenados em
custas por magistrados judiciais mais atentos aos diplomas vindos a lume, que o
sabiam de todo revogado.
E quando suscitámos
a questão ao responsável pela Base, deparou-se-nos, meses depois, um volumoso parecer do Procurador da
República que nela superintendia e cuja conclusão muito nos surpreendeu: se se
tratasse de revogações expressas, consideravam-no; se se tratasse de revogações
tácitas (“ficam revogados todos os dispositivos em contrário”),
deixavam ao livre alvedrio do intérprete a revogação ou não das normas... que
constavam da base como se estivessem em vigor!
Sem comentários,
pois, em termos de fiabilidade e de confiabilidade do que emerge com a chancela
de entidades públicas…
Se o actual Ministério da Modernização do Estado e da
Administração Pública de tal se ocupasse economizar-se-iam milhões e
prestar-se-ia deveras um serviço aos cidadãos.
Simplificar o
ordenamento, expurgá-lo das excrescências que o povoam, das assimetrias em que
se revê, das contradições que o enxameiam, seria ouro sobre azul.
Aliás, há exemplos
notáveis de superação das assimetrias, como o que se condensa no Regime Jurídico das Contra-ordenações
Económicas de 29 de Janeiro de 2021, que pôs termo a clamorosas
divergências que de há muito se observavam no ordenamento e que constituíam
fonte das maiores injustiças, ainda que em abstracto consideradas as hipóteses
de facto.
E numa mancheia de
diplomas revogados, noutra ocasião, acção que permitiu pôr de banda diplomas
arcaicos e arcaizantes que empestavam de todo a ordem jurídica.
Se a administração
pública civil não for capaz (e é-o, é-o convictamente), peça-se à Armada um
Almirante que saiba navegar em mares revoltos ou à Força Aérea um General-piloto
aviador com noções de aerofotogrametria ou às Forças Terrestres um
Tenente-General de Cavalaria com a especialidade de obstáculos…
O quadro que se nos
depara é, a vários títulos, desprimoroso e humilhante!
E força é se supere
para que o Estado de Direito seja sinónimo de ordem que não de caos, de certeza
que não de dúvidas sedimentadas que estiolam o viver em comunidade, de rigor
que não de domínio privilegiado da arbitrariedade, da iniquidade!
Os cidadãos carecem
de leis simples, descodificadas, acessíveis, dotadas de meridiana clareza e sem
subterfúgios para que os besouros delas não escapem sistematicamente e as
pobres moscas nelas se deixem implacável, inapelavelmente aprisionar.
E que o Estado se
não demita do papel que lhe cabe e de que tudo ignora e cujo exercício denega
como missão
indeclinável!
II
A
INFORMAÇÃO PARA O CONSUMO
A
INFORMAÇÃO DO CONSUMIDOR EM GERAL
A informação ao / e
do consumidor vem aureolada de vestes constitucionais.
No caso português,
figura no n.º 1 do artigo 60 do Texto Fundamental.
E, no que tange à
sua concretização pela Lei-Quadro de Defesa do Consumidor de 1996, surge, à
cabeça, o seu artigo 7.º cuja moldura é a que segue (“direito à informação em geral”):
“1 - Incumbe ao Estado, às regiões autónomas e
às autarquias locais desenvolver acções e adoptar medidas tendentes à
informação em geral do consumidor, designadamente através de:
a) Apoio às acções
de informação promovidas pelas associações de consumidores;
b)
Criação de serviços municipais de informação ao consumidor;
c) Constituição de
conselhos municipais de consumo, com a representação, designadamente, de
associações de interesses económicos e de interesses dos consumidores;
d) Criação de bases
de dados e arquivos digitais acessíveis, de âmbito nacional, no domínio do
direito do consumo, destinados a difundir informação geral e específica;
e) Criação de bases
de dados e arquivos digitais acessíveis em matéria de direitos do consumidor,
de acesso incondicionado.
2 - O serviço
público de rádio e de televisão deve reservar espaços, em termos que a lei
definirá, para a promoção dos interesses e direitos do consumidor.
3 - A informação ao
consumidor é prestada em língua portuguesa.
…”
E, no que em
particular se refere aos actos e contratos
de consumo, atente-se no artigo
subsequente ( o artigo 8.º), sob a consigna “direito à informação em particular” que se pode resumir da forma
que segue:
v O
fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações
como na da celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara,
objectiva e adequada (a não ser que tal resulte inequivocamente do contexto)
nomeadamente sobre:
§ A
identidade do fornecedor, nomeadamente o seu nome, firma ou denominação social,
endereço geográfico e demais coordenadas;
§ As
características principais dos bens ou serviços, tendo em conta o suporte
utilizado para o efeito e considerando os bens ou serviços em causa;
§ Preço
total dos bens ou serviços, incluindo os montantes das taxas e impostos, os
encargos suplementares de transporte e as despesas de entrega e postais, quando
for o caso;
§ Modo
de cálculo do preço, nos casos em que, devido à natureza do bem ou serviço, o
preço não puder ser calculado antes da celebração do contrato;
§ A
indicação de que podem ser exigíveis encargos suplementares postais, de
transporte ou de entrega e quaisquer outros custos, nos casos em que tais
encargos não puderem ser razoavelmente calculados antes da celebração do
contrato;
§ As
modalidades de pagamento, de entrega ou de execução e o prazo de entrega do bem
ou da prestação do serviço, quando for o caso;
§ Sistema
de tratamento de reclamações dos consumidores pelo fornecedor, bem como, quando
for o caso, sobre os centros de arbitragem de conflitos de consumo a que o
fornecedor haja aderido, e sobre a existência de arbitragem necessária;
§ Período
de vigência do contrato, quando for o caso, ou, se o contrato for de duração
indeterminada ou de renovação automática, as condições para a sua denúncia ou
não renovação, bem como as respectivas consequências, incluindo, se for o caso,
o regime de contrapartidas previstas para a cessação antecipada dos contratos
que estabeleçam períodos contratuais mínimos, quando lícitos;
§ A
existência de garantia de conformidade dos bens, dos conteúdos e serviços
digitais, com a indicação do respectivo prazo, e, quando for o caso, a
existência de serviços pós-venda e de garantias comerciais, com descrição das
suas condições;
§ A
funcionalidade dos bens com elementos digitais, conteúdos e serviços digitais,
nomeadamente o seu modo de utilização e a existência ou inexistência de
restrições técnicas, incluindo as medidas de protecção técnica, quando for o
caso;
§ Qualquer
compatibilidade e interoperabilidade relevante dos bens com elementos digitais,
conteúdos e serviços digitais, quando for o caso, com equipamentos e programas
informáticos de que o fornecedor ou prestador tenha ou possa razoavelmente ter conhecimento,
nomeadamente quanto ao sistema operativo, a versão necessária e as
características do equipamento;
§ As
consequências do não pagamento do preço do bem ou serviço.
v A
obrigação de informar impende também sobre o produtor, o fabricante, o
importador, o distribuidor, o embalador e o armazenista, por forma que cada elo
do ciclo produção-consumo possa encontrar-se habilitado a cumprir a sua
obrigação de informar o elo imediato até ao consumidor, destinatário final da
informação.
v Os
riscos para a saúde e segurança dos consumidores que possam resultar da normal
utilização de bens ou serviços perigosos devem ser comunicados, de modo claro,
completo e adequado, pelo fornecedor ao potencial consumidor.
v Quando
se verifique falta de informação, informação insuficiente, ilegível ou ambígua
que comprometa a utilização adequada do bem ou do serviço, o consumidor goza do
direito de retractação do contrato relativo à sua aquisição ou prestação, no
prazo de sete dias úteis a contar da data de recepção do bem ou da data de
celebração do contrato de prestação de serviços.
v O
fornecedor de bens que viole o dever de informar responde pelos danos que
causar ao consumidor, sendo solidariamente responsáveis os demais
intervenientes na cadeia da produção à distribuição que hajam igualmente
violado o dever de informação.
v O
dever de informar não pode ser denegado ou condicionado por invocação de
segredo de fabrico não tutelado na lei, nem pode prejudicar o regime jurídico
das cláusulas contratuais gerais ou outra legislação mais favorável para o
consumidor.
v O incumprimento do dever de informação sobre
as consequências do não pagamento do preço do bem ou serviço determina a
responsabilidade do fornecedor de bens pelo pagamento das custas processuais
devidas pela cobrança do crédito.
v O
que se dispõe inicialmente sobre o enunciado de informações que devem constar,
em geral, do contrato, sem prejuízo do que a cada uma das espécies convém em
particular, aplica-se também aos contratos de fornecimento de água, gás ou electricidade,
caso não sejam postos à venda em volume ou quantidade limitados, aos de
aquecimento urbano ou aos de conteúdos digitais não fornecidos em suporte
material.
III
A
INFORMAÇÃO EM PARTICULAR
CIRCUNSCRITA
À LEI DAS GARANTIAS
DOS
BENS DE CONSUMO
No que se prende,
porém, com os direitos dos consumidores e as inerentes relações jurídicas de
consumo – e, em concreto, no plano das
garantias dos bens de consumo – a Directiva 1999/44, de 25 de Maio, do
Parlamento Europeu e do Conselho de Ministros, impunha no seu artigo 9.º, aos
Estados-membros que
“[tomassem] as medidas
necessárias para informar o consumidor sobre as disposições nacionais de
transposição da presente directiva, e [incentivassem], eventualmente, as
organizações profissionais a informarem os consumidores dos seus direitos.”
Ora comete, em certa
medida também, às associações de interesse económico, representativas dos comerciantes,
um tal poder-dever: que as instituições de empresários assumam a obrigação de
informar o consumidor do seu direito.
A lei de
transposição de uma tal Directiva para o ordenamento jurídico pátrio (DL
67/2003, de 08 de Abril), sob a epígrafe “acções
de informação”, define expressamente, no seu art.º 12, que
“A Direcção-Geral do
Consumidor deve promover acções destinadas a informar e deve incentivar as
organizações profissionais a informarem os consumidores dos direitos que para
eles resultam do presente decreto-lei.”
E, com efeito, ao
tempo (com uma versão actualizada em Janeiro de 2009), veio a lume, sob os
auspícios do Instituto do Consumidor, mais tarde, Direcção-Geral do Consumidor,
um opúsculo com 65 páginas, que em pormenor contempla o regime adoptado.
Mas não nos démos
conta de acções, tanto quanto a memória no-lo consente, de acções no terreno, a
não ser as que em inúmeras ocasiões a apDC
– DIREITO DO CONSUMO -, de Portugal, em particular, a seu modo e com
recursos próprios, levou a cabo através dos seus especialistas, de Norte a Sul
do País, para além da divulgação extra muros.
Ou então em
projectos de informação, mal apoiados pelo Fundo do Consumidor (com dotações
mais que insuficientes a tal consignadas), pela apDC desenvolvidos, mas em
conjunção de matérias que corriam em paralelo com as que das garantias dos bens
relevavam.
A Directiva
(2019/771/UE), de 20 de Maio de 2019, que revoga, no acervo da União Europeia,
o precedente instrumento normativo de 25 de Maio de 1999, reitera, no seu
artigo 20, um tal comando, a saber:
“Informação
do Consumidor"
“Os Estados-membros
tomam medidas adequadas para assegurar que a informação sobre os direitos dos
consumidores ao abrigo da presente directiva e sobre os meios para a aplicação
desses direitos esteja à disposição dos consumidores.”
Claro que se parte
do pressuposto que os empresários se acham despertos para as inovações
legislativas, ao invés do que ocorre, em geral, com os consumidores. E se
centra a tarefa na dilucidação dos consumidores. Sem se ignorar que os
empresários o são, ou seja, também se revêem na condição e no estatuto do
consumidor.
Mas, pelos vistos,
aos comerciantes terá escapado a mudança e, de forma acrítica, socorrem-se de ‘sites’
oficiais, a seu modo, sem referências temporais e, nessa medida, borregam,
incumprem a lei, a lei nova, no que os seus preceitos inovadores, passe a
redundância, se apartam dos velhos cânones.
O que é, a todos os
títulos, uma lástima!
O preceito de que se
trata (o artigo 20 da Directiva que contempla alguns aspectos da compra e venda
dos bens de consumo e dispõe sobre a garantia de tais bens) tem a sua correspondência na Lei Nova (DL
84/2021, de 18 de Outubro, que entrou em vigor no dia 1.º de Janeiro de 2022),
que procede à transposição para ordem
jurídica interna do aludido acervo normativo mais o que se prende com os
contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais
Com efeito, no seu
artigo 50 e sob a epígrafe “Capacitação
dos consumidores”, se dispõe:
“A
Direcção-Geral do Consumidor promove acções destinadas a informar os
consumidores sobre os direitos resultantes do presente decreto-lei e os meios
adequados ao seu exercício, em articulação com as demais entidades competentes.”
Com efeito, a “longa
manus” do Governo para a política de consumidores – a Direcção-Geral do
Consumidor – promoveu algumas acções de divulgação no período imediatamente
anterior ao da entrada em vigor da lei.
Mas nem todos terão
assistido a tais sessões, em número limitado e, provavelmente, sem adequada
divulgação.
E difundiu uma
página com perguntas e respostas que se acham no seu “site”
É natural que seja insuficiente.
Mal se percebe, no
entanto, a razão por que empresas - que ora se socorrem das vias do comércio
electrónico para a venda de aparelhos electrónicos - continuem, após o 1.º de
Janeiro em curso, a ofertar como garantia legal os dois (2) anos quando a Lei
Nova estabelece algo de distinto, a saber,
§ para
as coisas móveis duradouras (novas) três (3) anos;
§ para
as coisas móveis recondicionadas três (3) anos
§ para as coisas móveis usadas três (3) anos,
conquanto, por acordo, tal possa descer, nunca abaixo, porém, dos 18 meses.
Tamanha distracção de
uma mancheia de empresas, tal como pessoalmente o detectámos, é algo de
profundamente reverberável e parece não merecer qualquer condescendência.
E quando lhes
pretendemos apontar o lapso, o erro crasso em que laboram, tais empresas levam
a sua ousadia ao ponto de tenderem a corrigir-nos, remetendo-nos para “sites”
desactualizados (e que, entretanto, se não actualizaram) que, com efeito,
contêm disciplina só aplicável às aquisições feitas até 31 de Dezembro…
A Lei Nova, que
alarga o quadro dos ilícitos de mera ordenação social a situações lesivas dos
direitos e interesses dos consumidores, não contempla, ao que parece, esta
violação como credora de uma qualquer coima (sanção em dinheiro) e
eventualmente das inerentes sanções acessórias.
Mas há que alertar
os consumidores para a afectação da garantia abaixo da legal, o que leva uma
tal cláusula contratual à nulidade, invocável a todo o tempo e por qualquer
interessado e a ser conhecida ex officio
(por dever de ofício) pelos tribunais.
A quem aproveita,
pois, a ignorância da lei? Neste passo nem sequer se fala de má interpretação…
É questão de um prazo de duração, que fora de dois (2) e passou a três (3)
anos.
A quem aproveita,
então, a ignorância da lei?
"Garantia coxa
deixa, no caso, toda a gente roxa"… Roxa
de cólera!
A quem aproveita,
pois, a ignorância da lei?
Os mais distraídos
ficarão com uma garantia menor, se acaso comprarem e, por ignorância, nada
reivindicarem.
Nestas situações,
beneficiam os fornecedores relapsos e
contumazes que lucram na exacta medida em que os consumidores perdem. E lucram mais que proporcionalmente,
como se compreenderá!
Urge que a
Autoridade de Regulação do Mercado “varra” de alto a baixo as redes e actue
contra tais empresas.
Em boa verdade…
Mário Frota
Presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Portugal