quinta-feira, 29 de abril de 2021

DÍVIDAS A SERVIÇOS DE SAÚDE: DUALIDADE DE REGIMES?


DÍVIDA PRESCRITA

Uma vez invocada

É dívida que se risca

Para o bem e para o mal

É dívida apagada…

Por em tribunal

Não poder ser reclamada!

 

Curiosidades: no dia 19 de Abril de 2021, recebi uma carta do Hospital Garcia de Orta, E.P.E., assinada pelo Senhor Gonçalo Raimundo, director do Serviço de Gestão Financeira - Almada, a informar que era devedor de exames médicos que um dia fiz (???) ou não - a 23 de Outubro de 2014. E teria de pagar 6,80 € até ao dia 17 de Maio de 2021.

Como vai este País?! 7 (sete) anos depois vêm cobrar-me uma dívida de um tal montante? Será que a dívida existe? Ou não?

Para os serviços públicos essenciais não é de 6 (seis) meses a prazo para apresentação das facturas a pagamento?

 

Pergunto eu:

A mesma é válida ou já passou a sua validade?”

 

M.A.B. – Almada

 

1.    Conquanto os serviços de saúde sejam de todo um serviço público essencial, é de serviços fora de catálogo que se trata.

2.    Como serviços essenciais ínsitos no catálogo, citem-se os de fornecimento de água, de energia eléctrica, de gás natural, de gás de petróleo liquefeito canalizado, de comunicações electrónicas, de serviços postais, de transportes públicos de passageiros, de saneamento e de recolha de resíduos sólidos urbanos (lixos).

3.    Com efeito, os serviços públicos essenciais (os que no catálogo figuram) beneficiam, por razões de equilíbrio dos orçamentos familiares, de uma prescrição de curto prazo – de 6 meses (Lei dos Serviços Públicos Essenciais: art.º 10.º).

4.    No que aos serviços de saúde se refere, dois prazos de prescrição se perfilam:

4.1.       Tratando de serviços, na esfera de entidades privadas, o prazo de prescrição é de 2 anos (Código Civil: alínea a) do art.º 317)

4.2.       Tratando-se de serviços de saúde, na órbita do Estado, o prazo de prescrição é de 3 anos (DL 218/99, de 15 de Junho: art.º 3.º).

4.3.       Tratando-se, porém, de serviços privados de saúde com convenção ou em articulação com o Serviço Nacional de Saúde, a prescrição não será de 2, mas de 3 anos, segundo parece.

Cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Novembro de 2014 (Relatora: Isoleta Almeida Costa), cujo sumário é do teor seguinte:

 

“1. Fazem parte do Serviço Nacional de Saúde todos os serviços e entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde, designadamente os agrupamentos de centros de saúde, os estabelecimentos hospitalares, independentemente da sua designação, e as unidades locais de saúde, conforme lei orgânica do Ministério da Saúde, Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de Dezembro, artigo 7.º n.º 2, e ainda as entidades particulares e profissionais em regime liberal integradas na rede nacional de prestação de cuidados de saúde, quando articuladas com o Serviço Nacional de Saúde - cfr. artigo 2.º do Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro e Base XII da Lei de Bases da Saúde, Lei 48/90 de 24 de Agosto.


2. O regime legal previsto no DL 218/99, de 15 de Junho, cujo objecto visa as dívidas de instituições do SNS, só tem aplicação a créditos reclamados por hospitais privados que tenham convenção com o SNS quando os cuidados de saúde prestados o tenham sido no âmbito de convenção ou em articulação com o SNS.


3. Cabe ao devedor o ónus de invocar que a prestação de serviços ocorreu no âmbito de convenção ou protocolo com o SNS se quiser prevalecer-se da prescrição de créditos a que se refere o DL 218/99, de 15 de Junho (art.º 342 n.º 2 do Código Civil).”

 

5.    Por conseguinte, tratando-se, como na vertente situação, de pretensa dívida gerada no seio de um estabelecimento público empresarial (o Hospital Garcia de Orta), o prazo de prescrição é de 3 anos, contado do termo do serviço de exames a que o cidadão reclamante se terá submetido: de 23 de Outubro de 2014 (já decorreu mais de 6 anos e 6 meses sobre um tal evento).

6.    De harmonia com o Código Civil, “o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público” (Código Civil: art.º 303).

7.    Donde, para que a prescrição da dívida possa aproveitar ao consumidor, ter de a invocar por carta, expedida por correio, com toda a segurança (registo com aviso de recepção) ou por outro meio inequívoco, de que fique comprovativo da recepção.

EM CONCLUSÃO:


a.    As dívidas a estabelecimentos de saúde públicos (ou a tal equiparados) prescrevem em 3 anos.

b.    Para que a prescrição possa valer, no caso, ao cidadão reclamado, terá de a invocar por carta por ter sido interpelado a pagar por meio de carta.

c.    Para maior segurança, a carta deve ser expedida sob  registo e com aviso de recepção.

É este, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

 apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

 

  


Projecto com o apoio do Fundo do Consumidor


1 comentário:

  1. Acabei de ler o artigo supra, que me suscitou dúvidas. Tanto quanto consegui apurar, as dívidas prescritas dos hospitais públicos são extintivas (3 anos), vindo enquadradas em legislação própria, específica (artigo 3º do D.L. 289/99, de 15/06); isto é, basta invocar essa prescrição junto do credor – não é necessário pagar nem dizer coisa alguma para lá da referência concreta à prescrição. Já quanto às dos hospitais privados, não encontrei legislação relevante, pelo que, na falta de outro instrumento, parece aplicar-se a alínea a) do artigo 317º do Código Civil (2 anos) – porém, estas prescrições são presuntivas, não se extinguindo automaticamente pelo decurso do prazo e pela singela evocação desse determinado transcurso de tempo. Ou seja, parece que aqui se pressupõe que a dívida tenha sido paga, mas não cabe ao devedor prová-lo. Portanto, o suposto devedor deverá ter de alegar que a dívida foi liquidada. Ora, verifico que, neste artigo, as 2 questões parecem tratadas quase indiferenciadamente no que concerne aos procedimentos pelo potencial devedor. Uma vez que não sou jurista nem conheço (nem tenho essa pretensão) a legislação exaustivamente a este respeito, venho perguntar se há alguma luz que possa ser vertida sobre esta questão. É que eu e os meus irmãos somos herdeiros e fomos notificados por hospital particular (Luz) para liquidar uma suposta dívida da nossa falecida mãe por cuidados de saúde prestados em 29 e 30 de dezembro de 2018, a que juntam uma fatura que nunca vimos antes (de junho de 2019) e que, corresponde – todos os itens – a uma fatura paga em 30/12/2018, cobrada nos termos da convenção com a ADSE; agora parece que vêm pedir o remanescente até perfazer 100% em valores a imputar à doente, como se nenhum daqueles itens fosse, afinal, comparticipado. O que se afigura, desde logo, estranho. Ora, se fosse bastante comunicar sob registo com AR ao hospital essa prescrição, não perderíamos mais tempo com o assunto; senão, talvez devesse ser tratado de modo distinto. – Grato.

    ResponderEliminar

Devolvidos 8,3 milhões de euros a clientes bancários em comissões cobradas indevidamente

  Os montantes devolvidos estão relacionados com uma alteração ao regime dos contratos de crédito aos consumidores que proibiu a cobrança d...