quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Nos (quase) 40 anos da lei que previne e reprime cláusulas abusivas


A 25 de Outubro de 1985 veio a lume a Lei das Condições Gerais dos Contratos (impropriamente denominada, das “Cláusulas Contratuais Gerais”).

E foi um passo importante, no acerto do ordenamento português com o que a vida ia produzindo: cada vez mais contratos de adesão, expressão do poder de mercado dos monopólios, oligopólios e de empresas outras com assinaláveis  posições de senhorio económico no seu seio.

Primeiro a Alemanha em 1976, depois a Inglaterra em 1977, a França em 1978, mais tarde a então Comunidade Económica Europeia em 1984, que só surgiria à luz do dia com um diploma  em 1993…

Portugal, na esteira da Lei alemã das Condições Gerais Negociais, deu à estampa a lei em 1985, que teve de ser afeiçoada à directiva europeia mais tarde.

Não se nos afigura que se haja colhido logo frutos dessa “nova disciplina” (de repressão das cláusulas leoninas) que a 22 de Fevereiro de 1986 entrou em vigor. Por razões facilmente explicáveis: a Universidade só tarde introduziu (onde introduziu) a matéria na disciplina das Obrigações, os Centros de Formação das Magistraturas e da Ordem dos Advogados negligenciaram fazê-lo. Só em 1989/90, por iniciativa do saudoso Neves Ribeiro, docente no Centro de Estudos Judiciários, se iniciou um sem-número de seminários que nós mesmos animámos.

E as espécies discutidas nos tribunais, em razão de um tal défice lectivo, espelhavam isso mesmo: raros eram os que invocavam as cláusulas absoluta ou relativamente proibidas constantes de  contratos pré-elaborados, em particular dos pré-redigidos, a desfigurar os equilíbrios contratuais e a merecer a mão pesada da justiça.

Ainda há dias um catedrático de direito privado recriminava o facto de, nestes cursos breves de Bolonha, não caber, nas matérias preleccionadas, temas destes que são de uma extraordinária importância no dia-a-dia. Logo, a ignorância a projectar-se na formação de sucessivas fornadas de licenciados lançadas na vida corrente.

Há uma obra prática relevante da  autoria de José Manuel de Araújo Correia que bem mereceria ser actualizada.

A colectânea que o Supremo Tribunal de Justiça entendeu editar com a corte de decisões sobre a matéria remonta a 2012 e bem mereceria também um complemento até aos nossos dias.

Há um Registo Nacional, criado por portaria, na esteira da Lei das Condições Gerais dos Contratos: deveria  constituir um repositório das decisões passadas em julgado. Nem sequer sabemos se se acha actualizado porque, tempos houve,  em que era uma autêntica miséria no desarranjo em que se transformam as coisas à guarda do Estado, dos edifícios ao mais.

A lei foi actualizada em 2021, com dispositivos sobre tamanho da letra, eventualmente sobre a eficácia do caso julgado, com a criação da Comissão das Cláusulas Abusivas que, ao que se julga saber, ainda não está de pé, mais de 3 anos após a sua criação.

E com um distinto quadro sancionatório, com coimas à mistura sempre que os reguladores (incluindo o do mercado, a ASAE)  e ou  a Direcção-Geral do Consumidor as detectem seja em que suporte for (visual, auditivo, pepel ou qualquer outro, duradouro), a marcar desde logo uma posição… até como forma de evitar as delongas do procedimento judicial que ocorrem com a tramitação da acção inibitória que, segundo estatísticas fiáveis, levam em média 8 anos, da instauração ao trânsito em julgado da decisão.

E, pelos vistos, a Direcção-Geral do Consumidor já está em campo:

Em recente acção de fiscalização, 20 tipos de contratos de adesão e 241 condições gerais objecto de análise de cadeias de ginásios esparsos pelo país.

Uma das condições gerais proibidas é a de “o ginásio não se responsabilizar se alguém se magoar ou sofrer algum dano moral ou à sua saúde”.

Outra, a que limita a utilização de parte ou da totalidade das instalações dos ginásios, para efeitos, por exemplo, de realização de obras, sem que os clientes possam suspender o pagamento das respectivas mensalidades/quotas”.

Condições gerais ilícitas, no mercado, é mato!

O que é preciso é soltar as feras para acabar com estas misérias, para pôr termo a estas vergonhas.

40 anos é muito para se estar ainda bem longe do objectivo original!

Venha a Comissão das Cláusulas Abusivas, venha acção que o consumidor continua “a ferros” por toda a parte!

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – de Portugal

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