segunda-feira, 1 de março de 2021

Serviços Públicos | Contratos Privados Reclame primeiro, pague depois!

 

“Apresentaram-me uma conta muito elevada de água. 

E exigem que a pague. 

Só que não corresponde ao meu consumo, que é irrisório. 

É que, dizem-me, nos serviços públicos só se pode reclamar depois de pagar. 

E é isso que consta do contrato” 

  Apreciando e opinando: 

1. Para os serviços públicos vigora, em geral, a máxima proveniente do direito romano: “solve et repete” (“pague primeiro, reclame depois!)! 

2. Porém, para os serviços públicos essenciais (água, energia eléctrica, gás natural, comunicações electrónicas…), cujos contratos têm a peculiaridade de ser contratos de consumo, a regra que vigora é a dos contratos privados: cada um dos contraentes tem o direito de recusar a prestação enquanto o outro não cumprir devidamente as suas obrigações. 

3. Se o fornecedor se propuser cobrar a mais, se não especificar o montante exigido, se não apresentar a factura de harmonia com a lei, é lícito ao consumidor não pagar, reclamando no livro respectivo. 

4. As empresas concessionárias vêm, porém, com o beneplácito dos reguladores, impondo nos contratos, à revelia de princípios e normas, que se pague primeiro, reclamando-se depois. 

5. Esta cláusula é naturalmente abusiva. Está incursa nas proibições da Lei das Condições Gerais dos Contratos. E, por isso, deve ser excluída ou por imposição dos reguladores ou por reacção dos consumidores.

6. Se houver resistência dos fornecedores, é de recorrer aos tribunais arbitrais de consumo. Aos quais os fornecedores hoje se não podem furtar. Pedindo-se, logo e como medida cautelar, que o fornecedor não use o “corte” como meio de coagir a pagar, definindo-se os termos do que deve pagar, se for o caso. 

7. Ademais, a Lei dos Serviços Públicos Essenciais confere aos consumidores o direito à quitação parcial: o de só pagar o devido, recusando o mais. E o 

fornecedor tem de dar quitação do que se pagar (passar o documento que prova o pagamento ou recebimento). 

Conclusão: 

a. O consumidor não tem de pagar uma factura cujo valor não corresponda ao que consumiu; 

b. Pode reclamar, primeiro, pagando só após se decidir da reclamação. 

c. E pode pagar o devido, do que o fornecedor dará quitação parcial. 

d. Se do contrato constar a cláusula “pague primeiro, reclame depois”, pode invocar a sua nulidade, por abusiva, perante o tribunal arbitral.


Projecto com o apoio do Fundo do Consumidor

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