quinta-feira, 18 de março de 2021

O dia-a-dia do consumidor repercutido no Dia Mundial


António da Costa Neves Ribeiro, que fora, a um tempo, vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça e presidente do Conselho Geral da apDC, sociedade científica de intervenção, registara, há um ror de anos, em artigo, sob o título:

POVO QUE LAVAS NO RIO

“1. O consumidor acabará sempre por pagar a factura!

Se não paga, então, mais tarde ou mais cedo, cortam-lhe a água, a luz, o gás ou o telefone.

Poupa na água, não se aquece. E tem o telefone só para receber chamadas da filha que vive em Lisboa.

Não telefona para ninguém!

Um dia, chega-lhe a factura da luz.

2. Ora, andou a mulher a poupar no gasto, deitou-se mais cedo, não acendeu a televisão, rapou frio de rachar para evitar ligar o “radiador”, e pagou três vezes mais do que gastou.
São gastos essenciais à vida. Não se pode ir para a cama com as galinhas, nem apanhar por sacrifício, frio de rachar, ou estar sempre a apagar a luz. E por aí fora…!

Por isso, a mulher reclamou uma vez… duas vezes, e sempre a mesma resposta de quem “fala, fala e não faz nada”!
A mulher releu a factura da luz… do telefone. Queixou-se à filha que vive em Lisboa.

E esta reportou-lhe as somas líquidas dos lucros da EDP, da PT e de outros fornecedores de bens de consumo essenciais.

E então, quem dá voz à minha razão, perguntou a mãe irritada, como se a filha, silenciosa, tivesse culpa de tudo?

“Não sei – respondeu a voz de Lisboa! O melhor é voltar a reclamar…”

3. Cumprimento, pois, a apDC – Associação Portuguesa Direito do Consumo, e particularmente o seu presidente, e tiro-lhe o meu chapéu por, ao longo de vários anos (pelo menos, desde 1988), ter sido a voz dos que, cheios de razão moral, não têm voz para se queixar, porque não se aquecem, porque não telefonam, porque são enganados no quotidiano das suas vidas, sem nenhuma hipótese efectiva de defesa dos seus direitos.

A sua voz tem sido a voz dos desvalidos da fortuna; a sua defesa tem sido a palavra da Associação (apDC) a que dá corpo e alma.”

Como dissemos algures:

Neves Ribeiro jamais se dissociou dos reais problemas do País real, do País profundo, e da sorte de quantos são, na realidade, economicamente débeis, vulneráveis, hipovulneráveis, hipossuficientes! Jamais se deixou encarcerar nas Torres de Marfim para que determinados lugares persistentemente convidam.

Neves Ribeiro era Homem de uma rara percepção dos problemas correntes com que se confrontavam os consumidores. E da Carta de Direitos que constituía como que uma sua Carta de Alforria, em que se resgata a própria Cidadania que não pode de nenhum modo “andar a ferros”…

Neves Ribeiro deu um excelso testemunho de vida ao alinhar por quantos não se aquecem nos rigores do inverno, não fruem dos fulgores civilizacionais das energias de ponta, não se comunicam porque já ninguém o faz por sinais de fumo ou pelo som do tantã de que os primitivos se socorriam, não desfrutam dos benefícios que as tecnologias “impuseram” à vida dos mais afortunados, mergulhados num pântano de exclusões que os poderes das majestáticas e das cosmo-empresas vão alimentando impiedosamente…

E fazia-o com uma rara distinção, em gestos de tocante solidariedade, discreta mas empenhadamente, sem alardes, que os que consigo privavam captavam cirurgicamente.

Na simplicidade de que se ornava e que era autêntica porque nela fundava toda a sua personalidade!

A Casa que ajudou a erguer – a apDC / Coimbra / Portugal – e que se sustém pelo acrisolado amor dos que persistem em não deslustrar o Ideal de Cidadania, que nela se imbrica e que era o seu, rende-se ao seu Exemplo de Homem, de Magistrado, de Cidadão.

A insaciável sede de justiça que o dominava é também funda obsessão nossa!

Que lá do “assento etéreo onde subiu” vele por que nos não desviemos do são propósito de servir a CIDADANIA e energias suplementares se nos afectem para não deixar morrer a OBRA em que tão ciosamente se empenhou. Contra ventos e marés e com a sua magistratura de influência que derrubava muros e evitava alçapões!

Falece-nos tal postura, mas enfrentaremos borrascas e tormentas para, a todo o transe, “levar a Carta a Garcia”!

Porque esmagados entre os limiares da miséria e da pobreza contamos, neste jardim de lágrimas povoado, mais de um quarto de uma população sofrida… num País que entorpece ao som do “fado dos milhões”!

apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra

 


Projecto com o apoio do Fundo do Consumidor

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