‘INFORMAR
PARA NÃO REMEDIAR’
PROGRAMA
06 de Dezembro de 22
QUESTÃO
Entrou
em vigor, em 14 de Novembro p.º p.º, a Lei
Nova das Comunicações Electrónicas.
Que
novidades nos traz e em que pontos é que há, com efeito, um reforço dos
direitos do consumidor?
RESPOSTA
Desde logo, traz, como
emanação do princípio constitucional da igualdade e dos diplomas legais da
União Europeia acerca da não discriminação dos consumidores perante a oferta
dos mercados, uma regra, a encimar o título dos “direitos do utilizadores,
serviço universal e serviços obrigatórios adicionais”, segundo a qual:
“As empresas que oferecem
redes ou serviços de comunicações electrónicas não podem aplicar requisitos ou
condições gerais de acesso ou de utilização das redes ou serviços diferentes
aos utilizadores finais por razões relacionadas com a respectiva nacionalidade,
local de residência ou local de estabelecimento, excepto quando o tratamento
diferenciado seja objectivamente justificado, designadamente com base em
diferenças de custos e riscos.”
Claro que este
princípio-regra resulta de um sem-número de diplomas e seria dispensável, mas o
legislador português, na esteira do Parlamento Europeu, entendeu definir, à
partida, este entendimento, cuja concretização se impõe no plano factual.
QUESTÃO
Mas
pelo que já lhe ouvi, a Lei Nova também remete para a Carta de Direitos
Fundamentais da União Europeia.
RESPOSTA
E assim é, na realidade.
Com efeito ali se diz:
“Quaisquer medidas
relativas ao acesso ou à utilização de serviços e aplicações através de redes
de comunicações electrónicas pelos utilizadores finais (tanto consumidores como
associações, fundações e empresas) devem respeitar a Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia, os direitos constitucionalmente consagrados e
os princípios gerais do direito da União Europeia.
Qualquer medida relativa
ao acesso ou à utilização de serviços e aplicações através de redes de
comunicações electrónicas susceptível de limitar o exercício dos direitos ou
liberdades reconhecidos pela Constituição e pela Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia só pode ser aplicada se estiver prevista na lei
e respeitar a essência desses direitos e liberdades, for proporcional e visar
genuinamente os objectivos de interesse geral reconhecidos pela Constituição e
pelo direito da União Europeia ou a necessidade de proteger os direitos e
liberdades de outrem, nos termos do n.º 1 do artigo 52 da referida Carta, e os
princípios gerais do direito da União Europeia, incluindo o direito à acção e a
um processo equitativo.
Tais medidas só podem ser
tomadas no devido respeito pelo princípio da presunção de inocência e pelo
direito à privacidade.
É garantido um
procedimento prévio, justo, equitativo e imparcial, incluindo o direito de
audiência dos interessados, sem prejuízo da necessidade de prever condições e
mecanismos processuais apropriados em casos de urgência devidamente
justificados em conformidade com a Constituição e a Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia.
QUESTÃO
Referiu
aí o artigo 52 da Carta.
Para
os leigos, isso nada diz. Para os leigos e não só, porque mesmo os entendidos
não têm uma clara representação dos artigos, de todos os artigos da Carta de Direitos Fundamentais.
O
que quer, com efeito, o artigo 52 da Carta de Direitos Fundamentais da União
Europeia?
RESPOSTA
O n.º 1 do artigo 52 diz
exactamente o que o próprio artigo da Lei Nova consagra:
“Qualquer restrição ao
exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser
prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades.
Na observância do
princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se
forem necessárias e corresponderem efectivamente a objectivos de interesse
geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de protecção dos direitos e
liberdades de terceiros.”
O que se pretende é que,
sob qualquer pretexto, se não restrinja o exercício de direitos, se não coarcte
direitos, se não censure a conduta de quem regularmente tende a exercer os seus
direitos mais elementares e se vê coagido a não o fazer em razão do arbítrio,
da iniquidade ou da prepotência reinantes.
QUESTÃO
Mas
que direitos são esses?
RESPOSTA
A Lei Nova pranta o
diploma de uma mancheia de direitos, que têm de ter concretização no dia-a-dia,
na actuação dos consumidores e mais usuários no mercado, na vida.
A saber:
Em primeiro lugar:
• Aceder, em termos de igualdade, às redes e serviços
oferecidos;
• Dispor de informação escrita sobre os termos e condições de
acesso e utilização dos serviços, de harmonia com o que a lei prescreve;
• Ser informado, com uma antecedência mínima de 15 dias, da
cessação da oferta de um determinado serviço de comunicações electrónicas;
• Dispor de informação sobre a qualidade dos serviços, em
conformidade com os parâmetros da lei;
• Aceder gratuitamente a, pelo menos. uma ferramenta de
comparação independente;
• Aceder a informação de interesse público,
• Receber facturas mensais não detalhadas sem encargos ou,
mediante pedido, facturas detalhadas;
• Dispor de informação escrita na factura referente à
primeira mensalidade, de todos os custos de instalação, de forma discriminada;
• Dispor de informação escrita em todas as facturas mensais,
sob forma destacada, do término do período de fidelização, caso exista;
• Dispor do barramento selectivo de comunicações;
• Não pagar bens ou serviços de terceiros, salvo quanto
tenham previamente autorizado a realização desse pagamento;
• Obter uma redução imediata e proporcional do valor da
mensalidade contratada em caso de suspensão dos serviços por período igual ou
superior a 24 horas consecutivas, sem prejuízo da compensação que tiver lugar
nos termos gerais de direito, pelos danos causados;
• Receber, tempestivamente, todas as informações relacionadas
com a base de dados de utilizadores finais que não tenham satisfeito as suas
obrigações de pagamento;
• Aceder aos serviços contratados de forma contínua, sem
interrupções ou suspensões indevidas, incluindo receber informação atempada,
por escrito, sobre a suspensão da prestação do serviço e a resolução do
contrato;
• Resolver o contrato, isto é, pôr termo ao contrato por
disposição própria sempre que nos termos do artigo 138.º;
• Desbloquear equipamentos terminais;
• Mudar de empresa que oferece serviços de acesso à Internet;
• Dispor da portabilidade dos números;
• Recorrer aos procedimentos de tratamento de reclamações;
• Dispor, sempre que a ARN assim o determine, dos recursos
suplementares;
• Dispor de informação sobre os indicativos telefónicos;
• Aceder aos serviços de emergência.
QUESTÃO
No
meio de tantos direitos, muitos ficarão no tinteiro.
Claro
que há esse risco sistematicamente.
Mais
a mais quando não há informação permanente, persistente acerca de taos
direitos.
O
Professor costuma dizer que “direito que se não conhece é direito que se não
exerce”.
E,
com efeito, assim é!
Não
basta povoar as leis de direitos que isso só confunde, se os direitos não são
assimilados nem conhecidos, se não há um esforço para os fazer chegar aos seus
destinatários que somos, afinal, todos nós.
Mas
ainda há mais direitos para além dos que já enunciou?
RESPOSTA
Para além dos já
enunciados, não de a a z, mas rigorosamente de a a v, outros direitos há, não
regidos por um qualquer método ou ordem.
E seria indispensável que
a coisa obedecesse a uma certa disciplina.
Para além de direitos
outros, que se retiram de modo avulso da lei.
Constituem ainda direitos dos consumidores,
bem como, sempre que aplicável, das microempresas, pequenas empresas ou
organizações sem fins lucrativos:
• Celebrar contratos com as especificações e em respeito
pelos procedimentos determinados na lei;
• Aceder a mecanismos de controlo de utilização dos serviços
de acesso à Internet ou dos serviços de comunicações interpessoais acessíveis
ao público facturados com base no tempo ou nos volumes de consumo;
• Denunciar o contrato, de harmonia com os princípios;
• Pôr termo ao contrato sem custos em caso de discrepância
significativa, continuada ou recorrente, entre o desempenho real dos serviços e
o desempenho indicado no contrato;
• Recorrer aos mecanismos de resolução extrajudicial de
litígios;
• Dispor, sempre que o Regulador o determine, dos recursos
suplementares previstos na lei, a saber:
o Sistemas de pré-pagamento da utilização dos serviços de
acesso à Internet ou dos serviços de comunicações interpessoais com base em
números;
o Pagamento escalonado dos preços de ligação que permitam aos
consumidores que o façam à rede pública de comunicações electrónicas;
o Serviço de aconselhamento tarifário que permita aos
utilizadores finais obter informação sobre eventuais preços alternativos
inferiores ou mais vantajosos;
o Serviço de controlo dos custos dos serviços de acesso à
Internet ou de comunicações interpessoais com base em números, incluindo
alertas gratuitos aos consumidores que apresentem padrões de consumo anormais
ou excessivos.
OBSERVAÇÃO
(Rádio Valor Local)
É,
na realidade, como diz o povo “muita fruta”.
Dada
a complexidade da coisa, teremos de voltar – vezes sem conta - para trocar tudo isto por miúdos.
Só
se espera que, como se diz quando da informação, “informação em excesso,
informação nenhuma”, que não seja “muita parra, pouca uva”, ou seja, “muitos
direitos, direitos nenhuns porque, afinal, o consumidor, carenciado nos seus
direitos, fica afogado neles…
Uma
boa lição a tirar de tudo isto.
OBSERVAÇÃO
(M.F.)
Sem
uma campanha nutrida de informação acerca das minudências da lei no que se
refere em particular às normas que tocam
o estatuto do consumidor, decerto que os atropelos prosseguirão e só os mais
despertos reagirão às invectivas das empresas que perturbem os seus direitos,
ainda que mal percebidos.
Informação,
informação, informação, para debelar o arbítrio, a iniquidade a prepotência
feita-agressão…
QUESTÃO
Aliás,
há já aqui uma questão de um consumidor de Lisboa, que mexe já com a lei nova!
Ei-la:
“Vendi,
por manifesta necessidade, a casa em que tinha a sede da minha economia
doméstica.
E
dei do facto nota à NOS - empresa de comunicações em que tenho o contrato de um
pacote de serviços. Pedindo inclusivamente que o transfiram para casa de uma
irmã em que passarei provisoriamente a morar.
A
NOS diz que não o pode fazer. Porque já há rede instalada na casa onde vou
passar a morar. E que considera, por isso, que há incumprimento do contrato de
minha parte e, por conseguinte, terei de suportar as prestações que se vencerem
até final da relação contratual porque eu é que dei causa ao facto.
Acho
de mau gosto a solução da NOS até porque vou continuar a precisar de telemóvel
e de internet, etc.
A
recusa da NOS parece-me estranha e o certo é que me prejudica enormemente
porque me vai pôr a pagar um montante ainda assim considerável.”
RESPOSTA
Apreciada a situação,
cumpre emitir opinião:
1. A
Lei das Comunicações Electrónicas,
em vigor desde 14 de Novembro p.º p.º, estabelece, no que ora nos importa:
“A
empresa… não pode exigir ao consumidor titular do contrato o pagamento de
quaisquer encargos relacionados com o incumprimento do período de fidelização
nas seguintes situações:
“a)
Alteração do local de residência permanente do consumidor, caso a empresa não
possa assegurar a prestação do serviço contratado ou de serviço equivalente,
nomeadamente em termos de características e de preço, na nova morada;
…
… …” [n.º 1 do artigo 133]
2. Sem
curar de saber se a actual situação cabe noutras das hipóteses que a Lei Nova
ora expressamente prevê, parece, sem esforço de maior, que asseverando a
empresa que não pode continuar a fornecer os serviços que dispensava
regularmente ao consumidor, terá de arcar daí com as consequências.
3. O
que quer significar que é lícito ao consumidor romper o contrato sem que se lhe
possa exigir qualquer contrapartida, mormente a que resultaria das prestações
vincendas, ou seja, das devidas até ao termo da fidelização em curso.
4. Claro
que na eventual ausência de uma resposta directa da lei, o que não é o caso, se
poderia ainda, de harmonia com o artigo 134, recorrer, entre outros, à previsão
do artigo 437 do Código Civil, a fim de se concluir pela extinção do contrato:
“Se
as circunstâncias em que as partes
fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem
a parte lesada direito à resolução do
contrato, …, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte
gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios
do contrato.”
5. Para
além do mais, dependendo da interpretação de um outro dos preceitos da Lei Nova
[art.º 137], conviria analisar detidamente o que nele se dispõe:
“Sem
prejuízo de outras alterações extraordinárias das circunstâncias que
determinaram a celebração do contrato por parte do consumidor, o contrato fica suspenso, designadamente, nas seguintes situações:
a)
Perda
do local onde os serviços são prestados;
… …
…”
6. De
qualquer forma, dada a manifesta impossibilidade de a empresa de comunicações
electrónicas poder continuar a assegurar no domicílio do consumidor os serviços
por virtude de ali se achar instalada uma outra rede, ao que assevera, é facto
que tal circunstância não pode ser imputada ao consumidor, interessado em
manter o contrato.
7.
Daí que se trate de facto relevante
para a ruptura do contrato sem quaisquer encargos para o consumidor, desde que
a empresa não possa continuar obviamente, como o confessa, a dispensar o
serviço nas condições pactuadas.
EM
CONCLUSÃO
a.
A
venda da casa de morada do consumidor, onde os serviços de comunicações se
acham instalados, constitui motivo, causa ou fundamento relevante para a
ruptura do contrato se acaso a empresa não assegurar os respectivos serviços nomeadamente
em termos de condições técnicas, demais características e de preço [Lei
16/2022: alínea a) do n.º 1 do art.º 133].
b.
Da
ruptura do contrato em tais condições não resultam quaisquer encargos para o
consumidor, como emerge do proémio do citado artigo [“não pode exigir ao consumidor… o
pagamento de quaisquer encargos relacionados com o incumprimento do período de
fidelização.]
QUESTÃO
Um
consumidor, domiciliado em Mirando do Corvo e que se acha vinculado à MEO,
esteve durante 3 dias sem ligações exteriores.
E
insistiu sucessivamente com as avarias para que lhe solucionassem a situação,
privado como se achava do mundo exterior.
Ao
cabo de to este tempo, já foi restituído ao gozo dos serviços.
Pergunta
se a situação não tem repercussões na sua factura mensal.
RESPOSTA
Com efeito, assim parece
ser, em razão não só da aplicação dos princípios gerais, como de norma expressa
da Lei Nova que contempla especificamente situações do estilo dessas.
A Lei hoje consagra
inequivocamente no seu artigo 129 o que segue:
1. “Sempre
que, por motivo não imputável ao utilizador final, qualquer dos serviços de
comunicações electrónicas acessíveis ao público…, que tenham sido por este
contratados, se mantiverem indisponíveis por um período superior a 24 horas, consecutivas ou acumuladas (repete-se: consecutivas ou acumuladas) por período
de facturação, a empresa que oferece os serviços deve, independentemente de
pedido do utilizador final nesse sentido, proceder ao crédito do valor
equivalente ao preço que seria por este devido pela prestação do serviço
durante o período em que o mesmo permaneceu indisponível.
2
— O período de 24 horas é contado a partir do momento em que a situação de
indisponibilidade seja do conhecimento da empresa ou da comunicação pelo utilizador
final.
3
— A empresa deve reembolsar o utilizador
final pelos custos em que este tenha incorrido com a participação da indisponibilidade
de serviço que não lhe seja imputável.
QUESTÃO
E
como é que se processa o reembolso?
RESPOSTA
A dedução ou o reembolso
a que o utilizador final tenha direito é efectuado por crédito na factura
seguinte a emitir pela empresa ou por crédito no saldo do utilizador final, no
caso de serviços pré-pagos, ou, tendo terminado a relação contratual entre as
partes sem que tenha sido processado esse crédito, através de reembolso por
qualquer meio directo, nomeadamente transferência bancária ou envio de cheque,
no prazo de 30 dias após a data da cessação do contrato.
A indisponibilidade dos
serviços que, depois de reportada à empresa, se prolongue por um período
superior a 15 dias confere ao utilizador final o direito de resolver o contrato
sem qualquer custo.”
Afigura-se tempo demais
para que o consumidor possa pôr termo ao contrato.
Há aqui uma manifesta e
desproporcionada protecção da posição contratual da empresa em detrimento do
consumidor ou do utilizador final, que de todo se não justifica.
Nos tempos que correm, 15
dias é uma eternidade. À velocidade das tecnologias e da informação é de todo
uma eternidade…
Privar o consumidor ou o
utilizador final (uma associação, uma fundação, uma empresa beneficiária do
serviço) durante duas semanas do serviço sem nada poder fazer, sem poder
recorrer aos serviços de uma operadora mais prestante, mais diligente,
operacionalmente mais bem actuante é algo que nos surpreende.
Nos termos gerais, desde
que haja incumprimento às regras da fiabilidade ou da continuidade será sempre
lícito ao consumidor, independentemente dos prejuízos sofridos na sua esfera,
pôr termo ao contrato.
Eis algo a acompanhar
para fazer com que o legislador emende a mão.
É excessivo, é
desproporcionado!
No entanto, há um outro
preceito que no que toca aos níveis de desempenho do serviço permite se ponha
termo ao contrato, como segue:
“Qualquer discrepância
significativa, continuada ou recorrente, entre o desempenho real dos serviços
de comunicações electrónicas, que não serviços de acesso à Internet ou serviços
de comunicações interpessoais independentes de números, e o desempenho indicado
no contrato, é considerada como sendo base para o desencadeamento do processo
de tomada das medidas correctivas de que o consumidor dispõe nos termos da
legislação nacional, nomeadamente, a prerrogativa de resolver o contrato, isto
é, pôr termo ao contrato, sem qualquer custo.”