quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

PORTUGAL Proclamação dos Consumidores

Em VÉSPERAS de ELEIÇÕES

Uma Fundada Exigência a Quantos se Submetem a Sufrágio

Portugal vai a votos a 30 de Janeiro p.º f.º

Não raro, os partidos, ao delinearem os programas a submeter aos cidadãos, ou são omissos ou, em obediência a instrumentos internacionais, roçam ao de leve as linhas de uma pretensa política de consumidores.

Por outro lado, a manifesta ausência de uma sã consciência cívica conduz a que os cidadãos não escalpelizem programas e nem sequer se apercebam do sentido e alcance de uma qualquer política de promoção dos interesses e de declarada protecção dos consumidores e do que de forma nula, rala ou escassa neles se plasma.

Portugal carece de uma política de consumidores.

Portugal precisa instantemente de penalizar as agremiações políticas que ignorem os consumidores e seus magnos problemas.

De modo breve, eis uma conjunto de sugestões que constituiriam decerto a base de um qualquer programa, conquanto a “austera, apagada e vil tristeza” que nos caracteriza nem sequer garanta que a tentativa que ora se esboça colha os seus almejados frutos.

Um programa do jaez destes desdobrar-se-ia em seis partes distintas:

§ Edifício legislativo

§ Edifício Institucional

Componentes de um programa assente em módulos estruturantes:

§ Educação e Formação para o Consumo

§ Informação para o Consumo

§ Protecção do Consumidor I: a dimensão colectiva de interesses e direitos e o estímulo à propositura de acções colectivas ou de grupo

§ Protecção do Consumidor II: Vias alternativas susceptíveis de garantir se dirimam os litígios de consumo de modo acessível e pronto

I. EDIFÍCIO LEGISLATIVO: “legislar menos, legislar melhor”

Promover a edição de:

1. Código de Contratos de Consumo

2. Código Penal do Consumo

3. Código de Processo Colectivo

4. Revisão do Código da Comunicação Comercial (Publicidade) (proibição da publicidade infanto-juvenil e do envolvimento dos menores nos veículos comunicacionais)

5. Estatuto das Associações de Consumidores (em vista de uma rigorosa separação entre empresas que operam nesta área e instituições autênticas, autónomas e genuínas que relevam da sociedade civil)

6. Fundo de Apoio às Instituições de Consumidores (revisão do regime em vigor, já que o actual modelo vem servindo interesses outros que não os das instituições autênticas, autónomas e genuínas…)

II. INSTITUIÇÕES: NÍVEIS NACIONAL, REGIONAL E MUNICIPAL

1. Criação de uma Provedoria do Consumidor

2. Criação de Serviços Municipais de Consumo, com um leque de atribuições e competências que ora inexistem nos simulacros dos gabinetes residualmente existentes

3. Criação dos Conselhos Municipais de Consumo, tal como o prevê a LDC

4. Recriação do Conselho Nacional do Consumo (com Comissões como a da Segurança do Consumo, a da Segurança Infantil, a da Comunicação Comercial…)

III. EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O CONSUMO

1. Definição de um Programa Nacional de Formação de Formadores

2. Adequação dos programas dos diferentes ramos e graus de ensino – de modo transversal – às exigências do figurino da educação para o consumo

3. Definição de Programas de Formação para o Consumo para Consumidores Seniores e para Instituições de Formação de Adultos

4. Definição de Programas de Formação para o Consumo dirigidos a Empresários

6. Inserção do Direito do Consumo nos "curricula" do ensino superior e nos dos últimos anos do secundário, nos cursos jurídicos e com afinidades a tal

IV. INFORMAÇÃO PARA O CONSUMO

1. Programas de Informação ao Consumidor no Serviço Público de Radiodifusão Áudio e Audiovisual (RDP), tal como o prevê o art.º 7. da LDC

2. Campanhas institucionais de informação sempre que se publiquem novos diplomas legais

3. Edição de manuais explicativos dos direitos em vista da sua difusão pelas escolas e pela comunidade em geral

V. PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR:

A ESCRUPULOSA GARANTIA DA LEGALIDADE

1. Acompanhar nas instâncias europeias o processo legislativo, em obediência à máxima: “legislar menos para legislar melhor”

2. Sistemático expurgo do ordenamento jurídico de leis inúteis, excrescentes, sobrepostas, de molde a reduzir o acervo normativo, para além da codificação, aliás, já aventada, de base compilatória, do regime jurídico dos contratos de consumo

3. Instauração sistemática de acções colectivas – populares e inibitórias, conforme a lei – pelas entidades públicas dotadas de legitimidade processual sempre que em causa a preservação ou a tutela de interesses individuais homogéneos, colectivos e difusos

VI. PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR:

VIAS ALTERNATIVAS DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS

1. Reflexão em torno das sobreposições tribunais arbitrais/julgados de paz

2. Eventual definição de um só modelo

3. Prover à ocupação do território (nos 11 distritos em que prima pela ausência) de estruturas do jaez destas de molde a proporcionar a todos os consumidores o acesso à justiça em condições simétricas.

*

* *

Claro que outros capítulos se inscreverão neste rol de preocupações, de todo indispensáveis para que Portugal se arrogue deveras a adopção de uma política de consumidores.

Mas se este leque se adoptasse, decerto que exultaríamos de satisfação, contanto que – para além do mero enunciado – tudo apontasse no sentido da sua concretização, sem detença.

É que as palavras estão gastas,

as promessas incumpridas povoam os cabazes de coisa nenhuma de quem desespera e já não crê nas intenções propaladas…

Mas curial será que os partidos que se perfilam para a corrida eleitoral se não olvidem dos consumidores, enquanto cidadãos que são o motor do mercado, e que carecem, por elementar, de políticas que concretizem propósitos e tendam a prover à sua consecução num mercado descomandado e descabelado em que tudo parece consentir-se…

Mário Frota
 
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Infarmed manda retirar do mercado termómetro por infravermelhos

 

A autoridade nacional do medicamento (Infarmed) ordenou hoje a retirada do mercado do termómetro por infravermelhos, sem contacto, do fabricante Hunan Yinghe Kangyuan Biological Engineering por incumprimento da legislação europeia sobre dispositivos médicos.

 O Infarmed adianta, em comunicado, que os distribuidores Dia Portugal Supermercados, Sociedade Unipessoal e Price Tag Cash & Carry, Unipessoal Lda já se encontram a desenvolver “as ações necessárias” para a recolha do termómetro modelo YHKY-2000.

Segundo a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, o referido termómetro não se encontra em conformidade com “a legislação europeia aplicável ao setor dos dispositivos médicos, por não apresentar marcação CE, informação acerca do mandatário nem do organismo notificado”.

O Infarmed determinou a “imediata suspensão da comercialização” do termómetro e mandou recolher os exemplares no mercado, apelando às entidades que disponham de unidades deste dispositivo médico para que não o comercializem ou utilizem.

Campanha de recolha de automóveis de passageiros/comerciais ligeiros da marca “Renault", modelo "Kangoo"



No âmbito do Safety Gate – RAPEX (Sistema de alerta rápido para produtos perigosos não alimentares)** foram notificados os seguintes automóveis de passageiros:

 Notificação n.º:


A12/00178/20

Categoria:

Veículos a motor

Produto:

Automóveis de passageiros/comerciais ligeiros  

Marca:

Renault

Modelo:

Kangoo

Datas de produção:

Entre 04/09/2019 e 11/10/2019.

País notificador:

Portugal

País de origem:

França

Tipo de risco:

Ferimentos

Defeito Técnico/Risco:

Os componentes do eixo traseiro podem não estar suficientemente apertados.

 

Como resultado, as rodas traseiras podem ficar bloqueadas ou soltarem-se, aumentando o risco de um acidente.

 

Medidas adotadas:

A medida de “Recolha do produto/veículo a motor junto dos utilizadores finais” foi adotada no mercado do país notificador (Portugal).

 

Identificação da campanha de recolha incluindo o mercado português (indicada pelo representante da marca): 0D8L.

Sítio de Internet do “Safety Gate”

https://ec.europa.eu/safety-gate-alerts/screen/webReport

 ** A Direção-Geral do Consumidor (DGC) é o Ponto de Contacto nacional do “Safety Gate – RAPEX (Sistema de alerta rápido para produtos perigosos não alimentares)”. Este Sistema Europeu visa detetar a existência de produtos considerados perigosos nos 27 Estados-Membros (e nos países da Associação Europeia do Comércio Livre - EFTA) para tomada de medidas pelas respetivas autoridades competentes.

 A DGC, como Ponto de Contacto Nacional, recebe as comunicações de medidas voluntárias encetadas pelos operadores económicos (de acordo com as obrigações especiais de comunicação e de cooperação estipuladas no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 69/2005, de 17 de março) e as Notificações relativas aos produtos perigosos, emitidas através do supramencionado Sistema, e encaminha-as para as Autoridades de fiscalização do mercado para a eventual adoção de medidas (retirada do mercado, proibição de comercialização, etc, …).

 As Autoridades de fiscalização que podem tomar medidas para evitar a colocação de produtos perigosos no mercado nacional são: – a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica); – a ARAE (Autoridade Regional das Atividades Económicas da Região Autónoma da Madeira); – a IRAE (Inspeção Regional das Atividades Económicas da Região Autónoma dos Açores); – a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira); – o IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.); – o INFARMED (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P.); e – a PSP (Polícia de Segurança Pública).




Direito do Consumo - Especial último programa de 2021

 


Direito do Consumo - Especial último programa de 2021 (...)


AOS AMIGOS, TUDO, AOS OUTROS O DEGREDO!

Há uma curiosa asserção que cumpre registar, no vão olvido das coisas, por mais simples que se apresentem: “aos amigos tudo, aos outros o rigor da lei!”

O título que encima o presente escrito reflecte adequadamente a situação que ocorre com as associações de consumidores que são menos caras ao poder e foram excluídas do bolo orçamental em momento em que pontificava ainda no Instituto do Consumidor um homem que foi, em verdade, o coveiro do espírito associativo e a pior das pechas, em um juízo de apreciação política, para os consumidores portugueses pela ineficácia que fora a nota característica da sua presença à frente da instituição.

E, no entanto, para mal da comunidade de consumidores, os sucessivos governos mantiveram-no ao longo de 16 anos à testa do que fora o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor e da instituição que lhe sucedeu.

A quem ousasse afirmar a sua independência, e com a impunidade que em democracia parece ser o tom, fez o "mal e a caramunha"...

Nem sequer importa revelar seu nome, tão ignorado foi como pretensa figura pública.

Registem-se, sim, os malefícios que trouxe aos consumidores e às suas instituições mais caras.

E, na segregação, na discriminação, nos jogos de interesses a afecção mais que significativa das instituições que nasceram em Coimbra e estão indissoluvelmente ligadas ao progresso dos direitos do consumidor em Portugal, e que ao descaso têm sido votadas pelos poderes a que cabe financiar ou conceder subvenções.

As associações que à tutela dos consumidores se consagram carecem de afirmar a sua independência perante os distintos poderes.

Daí que não possam, em verdade, envolver-se em compromissos susceptíveis de prejudicar a imagem, mas sobretudo a essência da sua actuação.

Tal não significa que não dialoguem com o mercado, com o tecido empresarial que o preenche. Porém, concertação de interesses é algo que se não pode confundir nem com o domínio das associações pelas forças do mercado nem com a sujeição a qualquer preço aos acordos celebrados.

O segundo programa de acção que a Comissão Europeia delineou em 19 de Maio de 1981 assumia uma tal perspectiva ao proclamar-se num dos segmentos por que se reparte:

“O novo programa terá como objectivo... esforçar-se por criar condições para um melhor diálogo e uma concertação crescente entre os representantes dos consumidores e os dos  produtores e distribuidores”.

Em todas as circunstâncias, porém, a problemática do financiamento das associações vem a lume.

Por ocasião da II Assembleia Europeia das Associações de Consumidores promovida pela Comissão Europeia, em Bruxelas, de novo veio a terreiro tão candente questão. De todos os quadrantes e de representantes de distintos países. E o tema regressará em Novembro, aquando da Assembleia, aprazada de novo para Bruxelas, este ano.

E o que se afirmou, na altura, é que, com excepção da Irlanda, os demais Estados-membros financiavam as instituições de consumidores que relevam da sociedade civil, constituídas por cidadãos livres no uso da liberdade de associação por que cumpre pugnar.

Em Portugal, o Estado obriga-se a financiar as associações por força de lei. De lei que, apesar de tudo, parece não ter uma consistência por aí além, já que o Estado a ignora, como e quando lhe convém. Lei que se acha formulada nestes termos:

Incumbe ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais proteger o consumidor, designadamente através do apoio à constituição e funcionamento das associações de consumidores e de cooperativas de consumo, bem como à execução do disposto na presente lei.”

Porém, por razões que ora não importa revelar, o Estado parece ter predilecções peculiares, ou seja, favorece uns, desfavorece outros, avantaja um ou um número escasso, em detrimento de outro ou outros interventores.

Se compulsarmos os últimos dados publicados, verificaremos o quadro que segue:

BENEFICIÁRIO                                                    BENEFÍCIO AUFERIDO

CDC – Centro de Direito Consumo / instituição de docentes da Faculdade de Direito de Coimbra        17.000.000$00

DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor                                       208.650.000$00

CGTP-IN – Grupo Sindical para a Defesa do Consumidor                            3.500.000$00

Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Coimbra / Figueira da Foz                                 5.150.000$00

Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto     2.661.000$00

Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Vale do Ave                                                         3.600.000$00

Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa                          12.520.000$00

FENACOOP – Federação Nacional das Cooperativas de Consumo                                                 7.120.000$00

UGC - União Geral dos Consumidores 5.290.000$00

Do que precede, parece poder afirmar-se que, concorrendo às subvenções as associações em pé de igualdade, deveriam ser privilegiadas as que trabalho mais volumoso e de qualidade realizam e, nesse quadro, as que intervenções mais valiosas subscrevem.

Ora, tanto a apDC - Associação Portuguesa de Direito do Consumo -, como a ACOP - Associação de Consumidores de Portugal -, têm um trabalho notável em seu favor e, por isso, deveriam ser naturalmente contempladas.

A apDC - Associação Portuguesa de Direito do Consumo -, p. e., apresentara um sem número de projectos em períodos confortáveis. Em vão. Nem um só projecto foi contemplado. Nem um só projecto foi objecto de uma subvenção. Por demérito dos projectos? Obviamente que não. Por razões outras sobre que não importa por ora determo-nos.

E o que dizer da escandalosa subvenção concedida à Deco - 208.650.000$00?

Em que critérios se terá baseado o Governo para tamanho avantajamento?

No facto de afirmar ter uma massa de sócios que o não são por direitas contas, antes reflexo da lista de assinantes de uma publicação, propriedade de uma multinacional belga de testes e publicações (a Deco- Proteste, Lda.) ?

Como justificar tamanhos desníveis e aceitar significativas discriminações?

Há, no entanto, meios de obviar a que o Estado denegue direitos àqueles que os têm deferidos por lei.

Uma das soluções para que o financiamento se processe através do orçamento do Estado é a que se prende com a inserção, nas declarações de impostos, de casas com a denominação das associações de consumidores a que o contribuinte quer atribuir parte dos seus impostos, a definir por lei.

Isso obriga a que as associações tirem as máscaras que continuam afiveladas sem quaisquer outros elementos, e digam o que são, com verdade. É preciso separar as associações das empresas a que eventualmente se acham ligadas... É preciso que haja associados, na realidade, e não meras ficções. É preciso que haja uma realidade por trás do papel “couché” que os Notícias e os Expressos trazem como publicidade de multinacional de origem, inspiração e cega obediência belga.

É preciso que haja o propósito de servir o consumidor e não de dele se aproveitarem e de se apropriarem da sua bolsa de forma despudorada e abjecta...

É preciso que o Estado se não limite a favorecer as “correias de transmissão”, por muito louvável que seja a filiação do senhor primeiro-ministro... É preciso que o Estado seja uma pessoa de bem. E não algo de distinto ungido pelo sufrágio universal. Ou o menos marcado dos grupos de duvidosa procedência.

Não é pela negativa, mas pela positiva que importa assumir posições.

Se forem os contribuintes a fazer esse juízo de valor nas declarações de impostos, decerto que cada um de nós fará o melhor. Porque é um milagre estar em permanente actividade, durante mais de uma década, como é o caso da apDC - Associação Portuguesa de Direito do Consumo -, sem meios que garantam o funcionamento normal das suas estruturas.

Quem jamais soube o que era suportar uma renda e as despesas de funcionamento de quaisquer instalações (consumíveis, luz, gás, despesas de higiene, saúde e conforto), por se achar religado ao Estado e a entidades outras, em que nada lhes sai do bolso, jamais poderá intuir das necessidades ou achar-se apto a perceber do ciclópico esforço que mister será desenvolver para manter abertas de par em par as portas de uma qualquer estrutura física do jaez da nossa.

Força é que o financiamento, tal como a lei o visualiza e prescreve, seja assegurado pelo Estado. De forma insofismável, efectiva, consequente.

Força é que o financiamento seja convenientemente equacionado.

Força é que, sem detença, se encare a questão e se busque resolvê-la em definitivo, em homenagem à salus publica.

Que isto é serviço à comunidade!

E não faz sentido que quem já se devota generosamente a tais actividades haja de afectar a sua magra bolsa às actividades que, com enorme sacrifício e sentido de renúncia, desenvolve em prol da sociedade.

A paixão perene por isto não pode ter outros custos que não sejam os da erosão dos sentimentos... e os do desgaste natural de quem padece pelos problemas alheios! Sem cuidar sequer dos próprios!

 

Mário FROTA

apDC - Direito do Consumo - Coimbra


terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Mário Frota na RUC – Rádio Universidade de Coimbra

 


Mário Frota, presidente emérito da apDC, amanhã, quarta-feira, 29 de Dezembro, na RUC – Rádio Universidade de Coimbra,a convite de António Calheiros, da Informação


BRINDES DE NATAL

 
E se o consumidor

O artigo quiser trocar

Isso é um mero favor

Ou um direito a invocar?

 

  (Artigo publicado no Portal do PROCONS RS, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, a 28 de Dezembro de 2021)

 

Persistem, no ar, opiniões que de todo se não compaginam com o direito em vigor.

E, o pior, é que muitos dos pretensos jusconsumeristas as emitem como se de informação consistente se tratasse… Quando, na verdade, é algo que atinge o estatuto do consumidor, no desvalor conferido ao direito de que gozam.

É que aquando do procedimento de troca dos brindes de Natal (ou em qualquer outra época festiva) insiste-se à exaustão que é de um “mero favor dos comerciantes que se trata”, que não de um efectivo e consequente direito.

Em Portugal, como no Brasil, tal disparate circula em detrimento do consumidor, deixando uma enorme margem aos comerciantes que distorcem as situações com o aparente ou real beneplácito de quem se consagra ao estudo e divulgação dos direitos do consumidor.

A propósito das prendas de Natal e da susceptibilidade das trocas, um jornal de referência, dos poucos que ainda por aí circulam em suporte papel, editado no Porto, recorreu, em tempos, a alguém pretensamente ligado a uma “associação” de “consumidores” [a saber, uma mercearia de secos e molhados que cuida bem do seu "umbigo", de procedência belga, e que agora até oferece para venda vinhos e outros produtos dissimulados em cabazes de Natal! (a tal Deco-Proteste, Lda.)], a fim de esclarecer todos e cada um acerca da matéria sob análise.

E o que ficou da opinião transcrita é que não há qualquer direito à troca de produto por outro similar ou distinto: que se trata de um simples favor, uma mera cortesia, repete-se, de UM FAVOR dispensado aos consumidores, fruto da política de cada uma das empresas, sendo que o beneficiário da oferta não pode almejar efectivamente à troca nem a poderá jamais reivindicar. Algo que fica a bel talante de cada um dos estabelecimentos comerciais, que se podem pura e simplesmente recusar a trocar porque nem há lei nem contrato que nas suas formulações ou estipulações o consinta!

Nada de mais erróneo, ao que humildemente se nos afigura!

À luz das leis vigentes no ordenamento jurídico português, talvez não ignorem que nos contratos fora de estabelecimento (conhecidos como “porta-a-porta”), em razão do desenho que de tais modalidades se recorta em obediência  à legislação emanada de Bruxelas (do Parlamento Europeu e do Conselho de Ministros da União Europeia), haja um período de ponderação ou de reflexão dentro do qual ao consumidor é lícito exercer o seu direito de retractação (o de “dar o dito por não dito”) no lapso de 14 dias (Directiva n.º 2011/83/EU, de 25 de Outubro, do Parlamento Europeu; Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, emanado do Governo português).

Mas, curiosamente (e tal doutrina não se nos afigura se aplique com uma tal extensão no Brasil, dada a forma como as formulações respectivas se acham redigidas), o contrato fora de estabelecimento não se esgota nos exemplos comezinhos em que as vendas se processem exclusivamente ao domicílio ou porta-a-porta.

Por “contratos fora de estabelecimento” se entende, no denominado Espaço Económico Europeu (União Europeia mais e Estados aderentes), um vasto leque de contratos, para além dos celebrados no domicílio do consumidor, a saber, os:

• Celebrados no estabelecimento comercial do fornecedor ou através de quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e individualmente, adrede contactado em local que não seja o do estabelecimento comercial do fornecedor respectivo (contratos por apelo ou chamamento);

• Celebrados no local de trabalho do consumidor (contratos ocasionais ou como tal expressamente organizados) ;

• Celebrados em reuniões em que a oferta de bens ou de serviços seja promovida por demonstração perante um grupo de pessoas reunidas no domicílio de uma delas, a pedido do fornecedor ou do seu representante ou mandatário (contratos ‘tupperware’);

• Celebrados durante uma deslocação organizada pelo fornecedor de bens ou por seu representante ou mandatário, fora do respectivo estabelecimento comercial (contratos em excursões adrede organizadas);

• Celebrados no local indicado pelo fornecedor de bens, a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial feita pelo fornecedor de bens ou pelo seu representante ou mandatário (contratos-isco).

Nestes contratos, os consumidores dispõem, por lei, de 14 dias para dar o dito por não dito. Não são contratos firmes. Estão sujeitos a um período de reflexão ou ponderação, como se assinalou noutro passo, dentro do qual os consumidores podem retractar-se, ou seja, “dar o dito por não dito”, desfazendo-os de todo e sendo reembolsados do preço pago.

No Brasil, rege para algumas das modalidades ínsitas neste particular o Código de Defesa do Consumidor que, no seu artigo 49, estabelece:

O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.”

Claro que os contratos electrónicos ou por outros meios de comunicação à distância também beneficiam de regime análogo aos de fora de estabelecimento, nos termos dos diplomas enunciados. Com as restrições e excepções que a lei esmiuçadamente consagra e de que fizemos eco noutros artigos.

Ignoram decerto, porém, tais opinadores a existência de outras modalidades contratuais, disciplinadas, de resto, pelo Código Civil, em Portugal (artigos 923 a 933), que não por qualquer normativa exclusivamente consagrada às relações jurídicas de consumo.

Daí que se recomende uma passagem pelas páginas do Código Civil português, cuja disciplina se aplica subsidiariamente, como direito privado comum, como se não ignora,  às relações jurídicas de consumo.

Nessa galeria de contratos perfilam-se as vendas a contento (artigos 923 e s), as vendas sujeitas a prova (artigos 925 e s) e ainda as vendas a retro (artigos 927 a 933).

Só nos ocuparemos das duas primeiras.

No Brasil, a venda a contento e a venda sujeita a prova (para além da retrovenda restrita a imóveis) surgem como contratos com cláusulas especiais à compra e venda, regendo aí os artigos 509 a 512 do Código Civil.

Com enfoque no ordenamento luso, como se recortam tais modalidades contratuais?

1.    VENDA A CONTENTO:

É a que é feita sob reserva de a coisa agradar ao consumidor.

A compra e venda a contento apresenta-se sob duas modalidades:

. a primeira, como mera proposta de venda;

. a segunda, como contrato (há já um contrato e não uma mera proposta contratual) susceptível de resolução, vale dizer, de ao contrato se pôr termo, se a coisa não agradar ao consumidor.

1.1. Venda a contento na primeira modalidade

No caso da proposta de venda, a coisa deve ser facultada ao consumidor para exame.

A proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao consumidor, este se não pronunciar dentro do prazo da aceitação que se estabelecer (por exemplo, 8, 10, 15 dias…).

Neste caso, não haverá pagamento porque não há contrato, mas, como se disse, uma proposta contratual. O que pode é haver uma qualquer entrega do valor da coisa equivalente ao preço, a título de caução.

Devolvida a coisa, restituir-se-á a caução na íntegra. Não há cá vales, menos ainda vales com prazos de validade, curtos ou longos, com o fito de se vender ulteriormente, pelo seu valor, uma outra coisa.

1.2. Venda a contento na segunda modalidade

Se as partes estiverem de acordo sobre a resolução (a extinção) da compra e venda, isto é, sobre a faculdade de se pôr termo ao contrato no caso de a coisa não agradar ao comprador, o vendedor pode fixar um prazo razoável para tal, se nenhum for estabelecido pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos “comerciais”.

A entrega da coisa não impede que o consumidor ponha termo ao contrato.

A devolução da coisa obriga à restituição do preço, na íntegra, de imediato, sob pena de o vendedor incorrer em mora.

Neste aspecto, como há já contrato, se a ele se puser termo, terá de se operar a restituição do preço e a devolução da coisa.

De há muito que defendemos neste particular que se deveria legislar, a fim de se preverem coimas (sanções em dinheiro e sanções acessórias) para o caso de o vendedor se atrasar a restituir o preço ou se o quiser fazer por outro modo, seja através de vales ou por qualquer outra modalidade de pagamento. Coisa que se não admite: o consumidor entregou dinheiro, deve ser-lhe restituído o valor em numerário e não por qualquer outra forma; pagou por cartão de débito ou de crédito, deve ser feito de imediato o cancelamento do pagamento, de modo inequívoco e sem prejuízos de qualquer espécie.

Como se fez agora quer no que se refere, de forma ampla, às Garantias dos Bens de Consumo (Decreto-Lei nº 84/2021, de 18 de Outubro) como no que se reporta à violação da Lei das Condições Gerais dos Contratos (DL 109-G/2021, de 10 de Dezembro em curso) em que se aparelharam coimas (sanções em dinheiro) em caso de incumprimento dos preceitos legais aplicáveis.

1.3. Dúvidas sobre a modalidade da venda

Em caso de dúvida sobre a modalidade que as partes tiverem tido em mira, presume-se que é a primeira a adoptada: ou seja, não que tivessem escolhido um contrato de compra e venda susceptível de a ele se pôr termo se a coisa não agradar ao consumidor, mas uma mera proposta de venda.

2.     VENDA SUJEITA A PROVA

A compra e venda sujeita a prova está regrada no artigo 925 do Código Civil. Aplica-se subsidiariamente aos contratos de consumo.

O regime é o que segue:

A venda sujeita a prova considera-se feita sob a condição (suspensiva) de a coisa ser idónea para o fim a que é destinada e ter as qualidades asseguradas pelo vendedor.

Condição suspensiva é aquela segundo a qual as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico.

Por conseguinte, se o acontecimento futuro ocorrer, estaremos perante uma condição suspensiva: o negócio jurídico produz os seus efeitos normais.

A venda sujeita a prova pode estar sujeita a uma condição resolutiva.

A condição resolutiva é aquela segundo a qual as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a extinção do negócio.

Se o acontecimento se verificar, a condição será resolutiva: o negócio não produzirá os seus efeitos.

A coisa deve ser facultada ao comprador para prova.

 A prova deve ser feita dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos mercantis.

Se tanto o contrato como os usos forem omissos, observar-se-ão o prazo fixado pelo vendedor e a modalidade escolhida pelo comprador, desde que razoáveis.

Não sendo o resultado da prova comunicado ao vendedor antes de expirar o prazo a que se refere o parágrafo anterior, a condição tem-se por verificada quando suspensiva (isto é, o negócio produz os seus efeitos normais, o contrato passa a ser firme) e por não verificada quando resolutiva (o mesmo se dará aqui nessa hipótese).

 

3. VENDA COM A FACULDADE DE TROCA

Mas ignoram ainda, ao que parece, o princípio da autonomia da vontade, segundo o qual sob a epígrafe

Liberdade contratual

se diz que (Código Civil: artigo 405)

“1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”

E o facto é que os contratos que fornecedores e consumidores celebram nestas circunstâncias (e é essa tanto a vontade de uns e de outros, fundidas em negócio jurídico que - se assim não fora - nem os consumidores comprariam nem os comerciantes venderiam) são-no com a faculdade de troca em um dado período de tempo (que outrora fora de oito dias, pelo recurso paralelo ao prazo do proémio do artigo 471 do Código Comercial, que, de resto, constava das notas emitidas pelos estabelecimentos).

Contrato que é um híbrido do contrato de venda a contento ou sujeita a prova com consequências menos gravosas para o comerciante que os verdadeiros e próprios contratos típicos, nominados, como supra se definem, com a faculdade de troca do bem, já que se pactua a substituição da coisa que não a sua devolução pura e simples.

E isso de há muito que faz parte também dos usos comerciais que, nessa medida, vinculam. Não de trata de uma cortesia, de um mero favor, de uma condescendência ou tolerância mercantil, que possa ser recusada a cada instante, com uma instabilidade enorme para as partes e nefastas consequências para o comércio.

Se se pactuar, porém, um contrato na modalidade de venda a contento (ou como simples proposta contratual) ou sujeita a prova, de modo esclarecido, os efeitos jurídicos são exactamente os que ali se prevêem: a devolução da coisa e a restituição do preço (ou da eventual caução, caso se trate de uma venda a contento na primeira modalidade, ou seja, como mera proposta contratual) . Que não a simples troca ou substituição.

Não se fale, pois, em favor nem em mera cortesia. Não se diga que os fornecedores não estão obrigados a efectuar as trocas com as consequências daí emergentes. Porque, nestes termos, estarão obrigados a tal. Sem discussões. Sob pena de descumprirem as obrigações contratuais a que se adscrevem com as consequências a tal aparelhadas.

Mas seja qual for a modalidade do contrato, impera também aqui a lei da garantia dos bens de consumo:

Em caso de desconformidade, o consumidor pode, em termos de razoabilidade e adequação, lançar mão, no período de três (3) anos [a partir do 1.º de Janeiro que se avizinha, que não para as compras até então efectuadas, em que a garantia legal é ainda de dois (2) anos], dos remédios conhecidos, não sujeitos, nos termos da lei ainda em vigor, a qualquer precedência: ou envereda pela reparação da coisa ou pela sua substituição ou pela redução do preço ou por pôr termo ao contrato com a devolução da coisa e a restituição do preço. O que já não ocorre na Lei Nova em que há, com efeito, uma precedência, já que prevalece a reposição em conformidade mediante a reparação ou substituição) por imposição da normativa europeia a que os Estados-membros terão inapelavelmente de se sujeitar.

Contanto é que, no lapso de 60 dias (ainda na vigente Lei das Garantias que para a que lhe sucede não haverá esse lapso restritivo, antes o pode o consumidor fazer nos dois anos que se lhe facultam para o exercício do direito de acção), denuncie ao fornecedor a não conformidade da coisa (o vício, o defeito, etc…).

Por conseguinte, e em conclusão

As TROCAS de Brindes, de Prendas,

nesta como em outras ocasiões,

Não são MEROS FAVORES,

Antes algo regrado no Código

ou em resultado dos usos mercantis vinculativos

ou do acordo das partes.

Há estabelecimentos que, como outrora, estabelecem o período dentro do qual as trocas são possíveis...

Estão no cerne das negociações comerciais, estão previstas na lei, são por tal disciplinadas, decorrem da livre negociação entre as partes, resultam de usos comerciais consolidados.

Aliás, em decorrência de uma tal circunstância, no decurso das medidas restritivas de circulação neste período subsistentes, é o próprio Governo a decretar o que segue, como os media sobejamente divulgaram, em decorrência do Conselho de Ministros Extraordinário de 21 de Dezembro em curso:

 

“Também o prazo para devoluções e trocas foi estendido até ao dia 31 de Janeiro de 2022. Usualmente, estes movimentos ocorrem até meio do mês de Janeiro, de forma a dar espaço às pessoas para analisarem os novos preços das lojas e as colecções colocadas em promoção e as novas colecções de inverno.

“O prazo para o exercício de direitos atribuídos ao consumidor que termine entre os dias 26 de Dezembro e 9 de Janeiro, ou nos 10 dias posteriores àquele período, é prorrogado até 31 de Janeiro de 2022”, escreve o Governo em comunicado.”

Favor é propender ou levar a que o consumidor proceda à troca num contrato a contento ou sujeito a prova quando a lei lhe confere o direito à devolução pura e simples da coisa (sem que se restitua o dinheiro ao consumidor, antes se lhe "imponha" “à contre-coeur” a troca).

Entendamo-nos, pois!

Para que não haja nem subversão de direitos nem prejuízos para a parte mais débil, em princípio, em contratos desta natureza. É que as confusões provocadas por informações erróneas de “mal conseguidos especialistas” só acarretam danos de tomo aos consumidores. E a tal há que obstar!

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal

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